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Pedaços do mundo e grãos de areia
Ao escrever sobre Camilo Castelo Branco tive de ler textos esquecidos e deparei-me com uma história das Memórias do Cárcere, episódio da vida real, que o escritor contou à sua maneira: um pai bruto infernizava a vida de toda a gente; esse morgado dissipara a fortuna, fizera trinta-por-uma-linha, tinha fama de homicida e ladrão. A segunda personagem era a filha: desprezada por um amante, não hesitou em usar o punhal; o amante sobreviveu, mas ela tombou em forte depressão e apagava-se devagar. A terceira personagem era um emigrante regressado do Brasil, de origem pobre, agora rico. O brasileiro tirou a rapariga da tristeza e ambos queriam casar, mas o fidalgo recusou e, sem aviso ou perdão, matou a tiro o pretendente, estando este desarmado. O povo prendeu o cobarde, que ficou na Prisão da Relação do Porto a aguardar julgamento. Foi ali que Camilo se cruzou com a história. O enredo parece camiliano, exceto o final: a rapariga alugou uma casa perto da prisão, sentou-se na rua em frente; quando sabia que o pai a via da janela, abordou os soldados de passagem e prostituiu-se à vista do assassino. O escritor questiona-se se era loucura ou vingança, mas sabemos hoje que a autodestruição para magoar terceiros é mais comum do que vem nos livros.