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Pedaços do mundo e grãos de areia
Li mais crónicas de Agustina, de um de três volumes onde se reúnem centenas de textos geralmente muito bons, e a certo ponto encontrei uma crónica (parvamente não anotei a data, mas julgo que era do DN) onde a escritora falava de uma visita da famosa actriz Cicciolina ao parlamento nacional (sem necessitar de explicar que a coisa correra mal) e a prosa rematava com uma frase que cito de cor, qualquer coisa como: até a pornografia tem de ter carácter. Lembro-me de uma segunda visita de Cicciolina a Portugal (devo ter escrito alguma coisa para o Tempo) e ocorreu-me a abordagem que o artista plástico Jeff Koons fez do seu matrimónio com a actriz, com imagens pornográficas onde imperava o kitsch, o exagerado, grotesco, fantasista, voyeur, banal e até ordinário, mas com sentido de humor e sem filosofia ou pretensões poéticas. No Diário de Miguel Torga, encontrei uma entrada em que o autor se insurgia contra o que considerava ser o exagero erótico da literatura da sua época, com a excessiva exposição da intimidade — julgo que ele estava a referir-se a livros que hoje nos parecem inocentes ou pudicos, mas o essencial desta entrada de Janeiro de 1950 é bem interessante: segundo Torga, havia quem escrevesse «palavrões» e descrevesse «cenas sexuais com toda a pornografia». E rematava: «Deixá-los! Os livros não têm força, nem verdade. Em medicina, o órgão que se sente, é um órgão doente. Estes escritores sentem demais o pénis”. O Diário — um caderno de apontamentos que não pretende entrar na intimidade do autor ou em críticas individualizadas, «não sou delator, nem meu, nem dos outros», por isso não sabemos que livros lhe despertaram a crítica — tem reflexões úteis sobre literatura e várias entradas sobre o romance português, que o escritor considera pobre, devido ao atraso nacional e à falta de imaginação.