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Um parlamento diferente

por Luís Naves, em 01.06.14

Alguns autores, como Porfírio Silva neste texto de Machina Speculatrix, elogiam a posição de Alexis Tsipras em defesa da candidatura de Jean-Claude Juncker à presidência da Comissão Europeia. O argumento é o seguinte: o PPE foi o mais votado nas eleições europeias e o seu candidato a presidente da comissão deve ter o privilégio de se fazer eleger. Trata-se, pois, da democracia em acção.

Isto seria válido se o Parlamento Europeu fosse semelhante a um parlamento nacional, mas não é certamente válido quando vemos a questão na vertente do interesse dos pequenos países. O que parece democrático pode não o ser: neste caso, existe poder adicional para o chamado directório ou potencial para crises muito complicadas. Não havendo uma federação, o poder na UE pertence aos Estados e o controlo da comissão é um elemento crucial. A democracia está acima de tudo em cada um dos países.

 

Na realidade, os candidatos a presidente da comissão foram escolhidos pelos partidos que integram as diferentes formações europeias. Estas escolhas, pelo menos no caso dos conservadores e socialistas, tiveram a participação de líderes nacionais, embora não das configurações que decorrem da eleição (os candidatos reflectem as eleições anteriores). O PPE de Juncker foi o partido que mais eurodeputados perdeu, pode até argumentar-se que foi o grande derrotado, embora ainda o mais votado. A candidatura do luxemburguês é apoiada pela generalidade dos líderes, conjunto onde existe larga maioria conservadora. No entanto, do ponto de vista ideológico, o parlamento está muito mais fragmentado do que o Conselho Europeu, e se o candidato do PPE não passar no hemiciclo, e assumindo a lógica de que se trata de um parlamento normal, os eurodeputados insistirão em escolher o candidato seguinte, que será Martin Schulz, do grupo socialista. Neste caso, não haverá coincidência entre a votação do parlamento e as votações nacionais que resultaram numa configuração de líderes que preferirá um conservador para presidente da comissão.

Os tratados dizem que cabe ao Conselho Europeu escolher a figura que se candidata (levando em consideração os resultados das eleições), mas a escolha do Presidente da Comissão é claramente uma prerrogativa dos Estados, embora a eleição seja dos eurodeputados. Se a escolha for igualmente feita pelos eurodeputados, segundo as regras de um parlamento normal, então todo o equilíbrio estará alterado.

 

Em grande parte, a rebelião dos eleitores nestas eleições teve na origem o facto de haver instituições que tentam aumentar os seus poderes à custa da soberania dos Estados-membros. O apoio de Tsipras à primazia de Juncker tem este lado envenenado: se Juncker chumbar, os chefes de governo perdem automaticamente o seu direito a escolher o presidente da comissão, o que será inaceitável, sobretudo para os pequenos países, lançando a UE numa crise grave. Não está mau, para um eurocéptico.

 

publicado às 19:36


6 comentários

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De Porfírio Silva a 03.06.2014 às 00:03

(1) A meu ver, e tenho esta opinião há muitos anos, é errado pensar a defesa dos interesses nacionais na perspectiva da minoria de bloqueio no Conselho (no Parlamento nem se fala). O que precisamos é de compreender a UE em rede e estar em redes de solidariedade (várias) que nunca nos deixem isolados. Alguns "pequenos países" fazem isso sistematicamente, Portugal tem feito isso algumas vezes em algumas áreas, mas a orientação política é, em geral, preguiçosa e do estilo "grandes gestos", coisa que na UE não serve de nada. Sei, por experiência própria, que essas "redes" fazem grandes os pequenos que saibam fazer as coisas - e que aos grandes, se desprezassem isso, também não lhes bastaria o tamanho.

(2) Quanto às questões de prioridade entre o Conselho e o Parlamento na escolha do presidente da Comissão, julgo que certos argumentos são tão jurídicos que ignoram que o poder do PE não tem aumentado por boa-vontade dos governos, mas sim porque o PE tem sabido puxar até ao limite todas as migalhas de poder que lhe dão. Como está a fazer agora.

(3) Dizer que o que se passou (promessa de "presidenciar" A ou B segundo o mais votado) é hipocrisia? Parece-me completamente deslocado: os partidos que se candidataram ao Parlamento Europeu são os mesmos partidos que apoiam os governos nacionais. Portanto, há uma ligação política directa entre quem fez essa promessa e quem faz maiorias no Conselho Europeu, também. Fazer essa oposição entre Conselho e Parlamento quanto à escolha do Presidente da CE é esquecer esse facto - e uma abstracção. O que está em causa é outra coisa: é que os partidos nacionais que perderam a escolha na sua família europeia querem agora tentar, no Conselho Europeu, recuperar o que perderam por essa via. Mas essa é outra questão e é uma ilusão confundi-las.

Bom, obrigado pela sua paciência, a conversa já vai longa. Acho que foi interessante. Se eventualmente me responder, não interprete a minha ausência de réplica como desinteresse: é que temos de parar algures. Cumprimentos.
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De Luís Naves a 03.06.2014 às 10:13

Agradeço imenso os seus comentários

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Autores

João Villalobos e Luís Naves