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Pedaços do mundo e grãos de areia
Alguns autores, como Porfírio Silva neste texto de Machina Speculatrix, elogiam a posição de Alexis Tsipras em defesa da candidatura de Jean-Claude Juncker à presidência da Comissão Europeia. O argumento é o seguinte: o PPE foi o mais votado nas eleições europeias e o seu candidato a presidente da comissão deve ter o privilégio de se fazer eleger. Trata-se, pois, da democracia em acção.
Isto seria válido se o Parlamento Europeu fosse semelhante a um parlamento nacional, mas não é certamente válido quando vemos a questão na vertente do interesse dos pequenos países. O que parece democrático pode não o ser: neste caso, existe poder adicional para o chamado directório ou potencial para crises muito complicadas. Não havendo uma federação, o poder na UE pertence aos Estados e o controlo da comissão é um elemento crucial. A democracia está acima de tudo em cada um dos países.
Na realidade, os candidatos a presidente da comissão foram escolhidos pelos partidos que integram as diferentes formações europeias. Estas escolhas, pelo menos no caso dos conservadores e socialistas, tiveram a participação de líderes nacionais, embora não das configurações que decorrem da eleição (os candidatos reflectem as eleições anteriores). O PPE de Juncker foi o partido que mais eurodeputados perdeu, pode até argumentar-se que foi o grande derrotado, embora ainda o mais votado. A candidatura do luxemburguês é apoiada pela generalidade dos líderes, conjunto onde existe larga maioria conservadora. No entanto, do ponto de vista ideológico, o parlamento está muito mais fragmentado do que o Conselho Europeu, e se o candidato do PPE não passar no hemiciclo, e assumindo a lógica de que se trata de um parlamento normal, os eurodeputados insistirão em escolher o candidato seguinte, que será Martin Schulz, do grupo socialista. Neste caso, não haverá coincidência entre a votação do parlamento e as votações nacionais que resultaram numa configuração de líderes que preferirá um conservador para presidente da comissão.
Os tratados dizem que cabe ao Conselho Europeu escolher a figura que se candidata (levando em consideração os resultados das eleições), mas a escolha do Presidente da Comissão é claramente uma prerrogativa dos Estados, embora a eleição seja dos eurodeputados. Se a escolha for igualmente feita pelos eurodeputados, segundo as regras de um parlamento normal, então todo o equilíbrio estará alterado.
Em grande parte, a rebelião dos eleitores nestas eleições teve na origem o facto de haver instituições que tentam aumentar os seus poderes à custa da soberania dos Estados-membros. O apoio de Tsipras à primazia de Juncker tem este lado envenenado: se Juncker chumbar, os chefes de governo perdem automaticamente o seu direito a escolher o presidente da comissão, o que será inaceitável, sobretudo para os pequenos países, lançando a UE numa crise grave. Não está mau, para um eurocéptico.