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Pedaços do mundo e grãos de areia
Nos anos 20 e 30 do século passado, alguns europeus escreveram sobre a extinção de um período e o nascimento de outro bem mais inquietante. Era o fim do ‘mundo de ontem’, descrito por autores como Stefan Zweig, Joseph Roth ou Marai Sandor, que não se conformavam com o gigantesco passo atrás que a humanidade estava a dar. O tema encontra-se em toda a literatura centro-europeia da época, nas personagens prisioneiras do destino, nos ambientes sufocantes, nas decadentes paisagens urbanas, na sensação geral de impotência e na derrota da virtude.
É curioso como estes livros com um século têm hoje tanta actualidade.
Ao longo da minha vida, assisti a grandes transformações, a ponto do mundo da minha juventude estar à beira de se tornar extinto e antigo. Nos países ricos, deu-se em primeiro lugar o triunfo da classe média; depois, morreram as ideologias e acabou a Guerra Fria; e, finalmente, ocorreu uma rápida redução das diferenças culturais e o nascimento da primeira elite verdadeiramente global. Esta ordem internacional parecia indestrutível, mas revela agora as suas primeiras falhas.
Se perguntassem a um operário ocidental dos anos 30 se queria trocar a sua vida pela de um operário soviético, a resposta seria ‘sim’. A mesma pergunta feita nos anos 60 mereceria uma resposta de ‘talvez sim’, a sublinhar que a ilusão ainda fazia parte daquele tempo. Nos anos 90, se perguntassem a um trabalhador da Europa Ocidental se ele queria trocar a sua sorte com a de um trabalhador russo, haveria do outro lado um silêncio reprovador pela pergunta absurda.
As utopias deixaram de apresentar soluções e as pessoas passaram a viver nas pequenas ansiedades da sociedade de consumo. Tirando a teocracia iraniana, um anacronismo, os regimes são seculares, apesar de haver conflitos religiosos que mais parecem resistência inútil ao domínio absoluto de ideias que os ocidentais banalizaram, como casamento por amor, democracia, direitos iguais para as mulheres, liberdade religiosa e de expressão ou alfabetização universal.
O triunfo do Ocidente é esmagador e chega a todos os pontos do planeta de uma forma que o imperialismo europeu do século XIX não conseguiu. Os países Ocidentais são mais ricos do que nunca e os seus cidadãos gozam de um máximo histórico de liberdades individuais, prosperidade, longevidade e segurança. E, no entanto, existe entre nós um mal-estar difícil de entender, que se reflecte em toda a Europa no crescimento dos movimentos populistas sem ideologia precisa e que se distinguem pelo nacionalismo exagerado, o anti-capitalismo primário, a rejeição das culturas minoritárias e o uso hábil dos meios de comunicação. Poucos trabalhadores ocidentais trocariam a sua vida com a de um trabalhador de um país vizinho, mas a maioria gostaria de trocar de vida. A insatisfação é geral, o pessimismo é absoluto. Já ninguém acredita em coisa alguma e isso só nos pode arrastar para o fundo.