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O Esplendoroso Declínio (10)

por Luís Naves, em 06.10.13

Alpinistas
O triunfo dos valores humanistas e da liberdade é um dos legados mais poderosos da UE. A União constitui o melhor exemplo de cooperação entre países mas a crise de 2008 criou tensões económicas e favoreceu a supremacia dos interesses nacionais. No futuro próximo, é duvidoso que algum país deseje sair, no entanto a previsão de que isto não vai acontecer é demasiado arriscada. A análise tende a presumir que os intervenientes são racionais e fazem escolhas lógicas. Infelizmente, a realidade tem desmentido esta ideia. Por vezes, os políticos fazem erros de cálculo catastróficos ou subestimam os efeitos negativos das suas decisões. Não são raras as escolhas ilógicas ou até as opções incompetentes e contrárias aos interesses nacionais.
Um exemplo famoso de previsão errada é o de um livro de 1910, The Great Illusion, escrito pelo britânico Norman Angell. Dizia o autor que a ligação profunda entre as maiores economias europeias impedia o desencadear de uma guerra. “O comércio e a indústria de um povo já não dependem da expansão das suas fronteiras políticas”, escreveu Angell, que viria a receber o prémio Nobel da paz nos anos 30. A riqueza circulava de tal forma pelos diferentes países que as corridas armamentistas não faziam sentido: “É impossível para uma nação apoderar-se pela força do comércio e riqueza de outra nação”. O autor concluía que a ruptura da interdependência financeira internacional levaria, em caso de conflito, cada um dos beligerantes à pobreza.
Em 1910, a Europa vivia num surto de progresso rápido, com o aparecimento de tecnologias que estavam a revolucionar os transportes e as comunicações. Em teoria, o argumento de Angell era inatacável. Potências económicas interligadas não se guerreiam e as democracias são inerentemente pacíficas. Mas o facto é que, passados apenas quatro anos do aparecimento deste livro, a civilização europeia lançava-se com entusiasmo numa guerra em larga escala. Quatro anos e milhões de mortos depois, os impérios estavam exangues, mas a economia europeia demorou pouco tempo a recuperar. Foram criadas outras conexões, inventaram-se tecnologias ainda mais transformadoras. O acaso empurrara o mundo para uma mudança que, sem a guerra, teria sido porventura bem diferente e talvez mais lenta. Ainda durante a vida, Angell soube que também no mundo moderno não era impossível a uma nação apoderar-se da riqueza de outra, como demonstrou a Alemanha nazi.


 

      

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publicado às 18:09

O Esplendoroso Declínio (9)

por Luís Naves, em 29.09.13

O poder do amor

Existe um mito segundo o qual a Europa é um continente em decadência acelerada e, portanto, sem futuro. Certos teóricos, alguns lidos avidamente em Portugal, não escondem o desprezo pelo que classificam de irrelevância política e declínio económico. Estes autores têm sempre dificuldade em apresentar uma solução para o problema, havendo duas correntes principais: uns defendem que os países europeus devem constituir uma federação segundo o modelo norte-americano; outros defendem o inverso, que os países europeus devem abandonar a actual tentativa de integração. A possibilidade de um novo modelo nunca é considerada.
Algumas elites portuguesas adoptaram esta tese do fim da Europa, que julgam ser uma crítica à União Europeia, tal como ela existe. Apesar de tudo, não se vislumbra alternativa. Como seria Portugal sem a União Europeia? Certamente muito mais pobre e menos influente, talvez menos democrático e mais desigual.

O pensamento mitológico sobre o fim da Europa tem porventura a sua raiz numa angústia existencial comum aos principais povos europeus, alguns dos quais estiveram envolvidos em impérios que dominaram regiões vastas de outros continentes. Em meados do século XIX, os principais impérios europeus controlavam 70% da Terra.


 

     

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publicado às 12:20

O Esplendoroso Declínio (8)

por Luís Naves, em 23.09.13

A crise e a austeridade

Num romance dos anos 50, Player Piano (também conhecido por Utopia 14),o escritor americano Kurt Vonnegut imaginou uma sociedade onde todo o trabalho era executado por máquinas e as pessoas não tinham nada para fazer. Este livro foi de certa forma profético e antecipou a desindustrialização acelerada e a respectiva destruição de comunidades. As economias avançadas enfrentam hoje a ameaça de taxas de desemprego demasiado altas, sobretudo entre os trabalhadores menos qualificados, cujos postos de trabalho, antes de desaparecerem, competiam com os da China. Esta questão é fonte de grande descontentamento político e, tal como no livro, motivo potencial de revolta.
A exuberância irracional dos mercados que quase levou ao colapso financeiro global aumentou as desigualdades e destruiu as ilusões que ainda restavam de ascensão social. Deslocalizações e desemprego, ganância imperturbável e produtos financeiros tóxicos, a escada do mérito a deixar de funcionar. Estes são alguns dos problemas do futuro, o lado negro do mundo em que vivemos e que a crise de 2008 bem evidenciou.

 

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publicado às 18:01

O Esplendoroso Declínio (7)

por Luís Naves, em 21.09.13

Dois sócios

A percepção geral dos europeus é de que são marginalizados nas grandes discussões políticas. Nos mandatos do presidente George W. Bush houve em relação aos europeus até um certo desprezo, sobretudo quando surgiram hesitações no apoio à destruição do regime iraquiano de Saddam Hussein. Na guerra do Iraque, apesar da espantosa superioridade militar que exibiram, os americanos rapidamente foram confrontados com a sua incapacidade de gerir sozinhos os assuntos internacionais.
Em crises mais recentes (Líbia, Egipto ou Síria) os europeus continuaram a exibir grande ansiedade, pois têm de se manter no barco da aliança com a América e, ao mesmo tempo, reduzir de forma acentuada as suas despesas militares. Muitos autores americanos descrevem a parceria como sendo a Europa à boleia e os EUA a pagarem a factura da protecção. A ideia é apoiada por políticos e houve inclusivamente avisos pouco subtis sobre o futuro da NATO. Em 2011, os gastos militares dos EUA ascenderam a 4,8% do PIB; a UE gastou em média 1,16%. Mas seria politicamente impossível justificar o inverso, cortar no estado social e diminuir despesas públicas ao mesmo tempo que se aumentavam os custos militares.
Isto faz lembrar a amizade entre duas personagens de um filme clássico americano, Rio Bravo, de Howard Hawks, uma das obras-primas do cinema: ali há um xerife corajoso, John Wayne, e um ajudante de xerife, Dean Martin, que se tornou alcoólico e já não consegue cumprir as suas funções. Wayne bem tenta ajudar o amigo e este precisa de um desafio perigoso para recuperar a dignidade. A relação transatlântica funciona da mesma forma. Os americanos dominam o mundo e contam com o apoio da Europa, apesar de lamentarem os seus defeitos. No fundo, sabem que esta estará pronta para o combate quando isso for necessário.

 

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publicado às 17:49

Os pessimistas (1)

por Luís Naves, em 18.09.13

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O pessimismo militante dos nossos comentadores é um fenómeno bizarro que me tem fascinado nos últimos dois anos. Se existe um bom indicador, ele é fruto da propaganda do governo; se o indicador é mau, estamos perante uma desgraça que o comentador já anunciava desde pequenino. A cada novo episódio, entramos no domínio da profecia auto-confirmada. Segundo dizem, o País enfrenta abismos, está à beira de um colapso e sem qualquer saída do labirinto. O facto é que durante o mês de Agosto, quando comentadores e autores de blogues foram de férias, os portugueses puderam gozar o brilho do sol.
Julgo que este fenómeno ajuda a destruir a comunicação social portuguesa e alimenta a crise de valores em que nos encontramos. As pessoas deixam de comprar jornais, pois repetem-se textos delirantes sem semelhança com a realidade, escritos por autores bem pagos e que se instalaram comodamente num nicho onde não têm de prestar contas. Aliás, os próprios jornais esperam que os comentadores sejam suficientemente negativos e pintem a realidade com os tons sombrios do seu exagero. Eles acham que vendem mais assim. Quando alguém se atreve a escrever de forma positiva (há vozes lúcidas), logo surge o ferrete da propaganda e do frete político. Os optimistas são forçados a moderar-se, dando o essencial do espaço mediático aos que antecipam a tragédia imediata. As forças que nos empurram para baixo são poderosas e há uns tontos úteis que lhes dão mais ânimo.

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publicado às 12:56

Os pessimistas (2)

por Luís Naves, em 17.09.13

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Entrámos num mês político provavelmente decisivo. Eleições na Alemanha, eleições autárquicas, possível intervenção americana na Síria, negociação com a troika, negociação do orçamento de Estado, prováveis chumbos parciais no Tribunal Constitucional. Tudo isto, enquanto prossegue a vigilância dos mercados, pouco convencidos da viabilidade do regresso de Portugal à soberania financeira no prazo previsto, Junho do próximo ano.
Na Alemanha, tudo indica que o resultado eleitoral ditará a continuidade da política. A CDU da chanceler Angela Merkel deverá crescer e vencer a votação. Social-democratas e verdes terão um resultado decepcionante, longe da maioria, mas os liberais que apoiam a chanceler podem não conseguir os 5% mínimos para entrar no parlamento. Nesse caso, será necessário recorrer a uma grande coligação entre CDU e SPD, arranjo capaz de não durar quatro anos, o que terá consequências na crise da zona euro, perturbando o aparecimento de soluções europeias mais arriscadas e eficazes. É irónico: o melhor resultado para Portugal será a vitória da actual coligação entre conservadores e liberais.
Nas eleições caseiras, a confirmarem-se as sondagens, os partidos do governo não vão sofrer uma derrota tão estrondosa e humilhante como previam os comentadores. Alguns terão dificuldade em descalçar a bota e admitir que confundiram os seus desejos com a realidade, mas é plausível um cenário de vitória mitigada dos socialistas, pondo em causa a continuidade da liderança de António José Seguro no PS. Se o governo sofrer uma catástrofe eleitoral, o poder negocial com a troika diminui e talvez os seus problemas aumentem depressa, estimulando as divisões sobre a estratégia orçamental e os eventuais chumbos no Tribunal Constitucional.
Estes chumbos, que têm dificultado as medidas necessárias ao equilíbrio das contas e agravado a recessão, são quase inevitáveis. Tratando-se de um Tribunal político, o TC vai dar uma no cravo, outra na ferradura, sem virar o barco. Como dizia um amigo meu, o resgate é inconstitucional. E acrescento: a falência não está prevista na Constituição.

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publicado às 12:55

Os pessimistas (3)

por Luís Naves, em 16.09.13

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O problema das divisões internas sobre matéria de estratégia orçamental é sério e está na origem da anterior crise política. Há duas teses principais, uma que defende a negociação com a troika da flexibilização das metas do défice e outra que pretende a manutenção do rumo, mesmo que isso signifique recessão mais funda.
O dilema é difícil e a troika deverá mostrar-se pouco flexível na sua resolução, pois os mercados acreditam que a dívida pública portuguesa já ultrapassou o nível da sustentabilidade, rondando agora 130% do PIB e a subir. Num reflexo desta luta política (que dura desde 2011), as taxas de juro da dívida continuam a aumentar, agora em níveis bem acima dos 7%. Com a crise de Julho, foi interrompido um ciclo favorável de descida das taxas. Por momentos, houve a esperança de que o País poderia mesmo regressar aos mercados, mas de súbito estamos outra vez a afastar-nos da Irlanda e mais próximos da Grécia. Quando esta pedir o terceiro resgate ou o segundo perdão da dívida, as pressões internas para Portugal fazer o mesmo serão insustentáveis. Uma pequena deixa pessimista: provavelmente, vamos aproximar-nos ainda mais da Grécia.
Julgo que na opinião pública portuguesa foi criada uma ideia falsa de que a austeridade é um fim em si e não um meio para tirar o País da crise. O Governo revelou total incapacidade para desfazer o mito.
Portugal tem problemas crónicos de desequilíbrio de contas públicas que só resolverá se reduzir a despesa do Estado de forma permanente em cerca de 5 mil milhões de euros. Falta fazer este esforço, o mais doloroso até agora, equivalente a um quarto do ajustamento que já foi realizado. Também podemos aumentar impostos ou não cumprir o programa da troika e sair do euro. Morrer na praia, portanto.

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publicado às 12:54

Os pessimistas (4)

por Luís Naves, em 15.09.13

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Desde a última intervenção do FMI, o País teve um nível de consumo largamente superior ao da sua riqueza, dando origem a um endividamento progressivo que neste momento representa um fardo insuportável. Todos os anos, gastamos em juros o equivalente a um BPN e ainda a três pacotes completos de perdas potenciais em swaps. Esta conta vai baixar nos próximos anos, graças a medidas de ajuda europeias. Podemos assim afirmar que, para além dos problemas crónicos, na origem da crise está um facto: o nível de endividamento obrigou-nos a sair dos mercados e a recorrer à ajuda externa. Esta, por seu turno, não possui meias-tintas: as condições que nos impõem os credores podem ser negociadas apenas numa margem muito estreita e tudo o resto são fantasias.
Se o País não conseguir regressar aos mercados para financiar a sua economia, será forçado a pedir mais ajuda aos credores europeus ou a sair da zona euro, regressando à moeda própria. As duas opções são péssimas: a primeira implica o segundo resgate, o que significa prolongar a agonia e a recessão; a segunda equivale a um empobrecimento súbito e drástico da população, através da desvalorização rápida da nova moeda. Quem tiver poupanças ou dívidas sofrerá grandes dificuldades.


Na realidade, os portugueses não têm grandes alternativas. Mal ou bem, devem prosseguir neste programa de ajustamento, com ou sem negociação da flexibilização da meta do défice. Teremos de conseguir regressar aos mercados, de preferência com um programa cautelar que nos defenda da inevitável turbulência.
O lençol não tapa o corpo todo: se puxarmos para a cabeça, ficamos com os pés de fora; se taparmos os pés, fica a cabeça desprotegida. No entanto, para os comentadores que ouvimos diariamente não é assim. Eles exigem a cabeça tapada e os pés quentinhos, o sol na eira e a chuva no nabal, esquecendo de forma conveniente as duras realidades do resgate e a história de como chegámos a este lugar desconfortável.
O povo não preocupa muito. Os portugueses estão a fazer tudo bem, reduziram os altos níveis de consumo, poupam e fazem sacrifícios. As elites é que não estão habituadas a dificuldades, mas se mantiverem o sangue-frio Portugal pode recuperar a soberania financeira no prazo de dez meses. O País vai regressar ao crescimento e a economia criará empregos de maior qualidade e mais competitivos no mercado global. Isto é difícil e é também possível, mas a lengalenga pessimista infiltrou-se nas nossas vidas e muitos portugueses já deixaram de ouvir. A pobreza de ideias domina os media e este sector parece que mergulhou num processo suicida, pois acredita-se erradamente que só as más notícias vendem e que a realidade deve ser descrita de forma sempre tendencialmente negativa. Mas no fim as audiências continuam em queda e as pessoas afastam-se dos jornais moribundos. Às tantas, tanto pessimismo também cansa.

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publicado às 12:36

O Esplendoroso Declínio (4)

por Luís Naves, em 29.08.13

A transição

Com o fim da Guerra Fria, o jogo mudou muito para as superpotências, mas também mudou para os europeus ocidentais, que de repente deixaram de ser peões no campo de batalha entre duas ideologias.
O império soviético foi recebido em herança pelo antigo império russo, entretanto reanimado das cinzas. A URSS passou a ser uma curta perturbação histórica de 70 anos e a passagem de testemunho (ou recuo estratégico) é um processo ainda inconclusivo. Moscovo controla grande parte dos territórios que abandonaram a URSS, à excepção das três repúblicas bálticas, que de facto se separaram. Outras repúblicas reclamaram a independência, mas esta é limitada em todos os casos. No entanto, apesar de ter preservado parte significativa do seu antigo poder, sem a componente ideológica, a Rússia perdeu o anterior estatuto de superpotência.


 

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publicado às 19:07

O Esplendoroso Declínio (2)

por Luís Naves, em 02.08.13

Herdeiros
A Europa em que vivemos é herdeira da Comunidade Económica Europeia (CEE), cuja integração já acelerava na altura da queda do Muro de Berlim. Correspondendo aos países da Europa Ocidental, aos quais se tinham juntado três ex-ditaduras do sul, a CEE tinha fortes incentivos para aprofundar a coesão económica e política. O motivo mais evidente era a ameaça soviética, contrariada pela forte presença militar americana em solo europeu. Os mísseis nucleares de curto alcance estavam apontados a cidades pacíficas e os jogos de guerra mostravam a impossibilidade de impedir a destruição dos principais alvos civis, não sendo de admirar que uma das preocupações fundamentais dos anos 70 e 80 fosse a de conceber políticas de apaziguamento.
Para além desta sombra permanente, o impulso da integração resultava em grande parte da memória da última guerra, que provocara terrível devastação em toda a Europa Central. Em 1945, os países europeus estavam em ruínas. A França era uma potência sem influência externa e atormentada pelos fantasmas da derrota de 1940 e da colaboração com os nazis; a Alemanha estava dividida em duas partes e carregava a culpa ainda fresca do Holocausto; o Reino Unido era um império falido, incapaz de manter as suas jóias coloniais; Itália ou Espanha estavam exangues e tinham zonas de grande miséria. Vários pequenos países escaparam quase incólumes, como Portugal, Suécia ou Suíça, mas a guerra deixou a Europa de joelhos.

A outra metade do continente ficou na esfera soviética e integrou o bloco socialista. Estes regimes não tinham autonomia face a Moscovo e a elite comunista era incompetente, corrupta e mal preparada. Foram constituídas repúblicas populares e sufocadas as tímidas tentativas de democratização. A Polónia, um dos países vencedores do conflito, terminou a guerra na situação de grande derrotada, transformada em satélite da URSS e com perdas de seis milhões de pessoas, um quinto da população; Nessa altura, podia afirmar-se que não havia nenhum futuro brilhante para os europeus, quer fossem polacos, franceses ou espanhóis.


 

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publicado às 11:27


Autores

João Villalobos e Luís Naves