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O que está a acontecer

por Luís Naves, em 17.04.17

Não há memória de uma ocasião em que, no espaço de apenas seis meses, tenham mudado radicalmente as lideranças de três potências do G-7, mas é o que está a acontecer. Depois da substituição do primeiro-ministro britânico, na sequência do referendo sobre Brexit, e da eleição de Donald Trump, as eleições francesas resultarão na terceira mudança consecutiva nas chefias das grandes potências ocidentais. Se passarem à segunda volta das presidenciais francesas, os candidatos François Fillon e Emmanuel Macron deverão ser eleitos (ou um deles, na hipótese mais improvável de ambos passarem à segunda volta) com a promessa de fazerem reformas, mas existe a possibilidade palpável de ocorrer uma viragem mais radical: a passagem à segunda volta de um de dois candidatos (Jean-Luc Mélenchon ou Marine Le Pen) é uma possibilidade evidente, sendo ainda possível um duelo entre ambos. Se um deles fosse eleito presidente, a União Europeia, tal como a conhecemos, seria posta em causa e acordaríamos, dia 8 de Maio, num mundo ainda mais diferente daquele em que já vivemos.

publicado às 19:38

Vitória

por Luís Naves, em 10.07.16

Portugal venceu a final do campeonato europeu de futebol, num jogo repleto de emoção e drama, com um suplemento de alma que parecia improvável. Fica para a História a imagem das lágrimas de dor e alegria de Ronaldo, fica na nossa memória a tenacidade do seleccionador Fernando Santos, que durante semanas foi vergastado por mil tudólogos. É bem ténue a linha que separa a vitória da humilhação: muitos observadores já afiavam as línguas e as facas para criticar todos os que deram o litro em campo, incluindo o extraordinário Cristiano Ronaldo. Ironia das ironias, o golo da vitória foi marcado pelo ‘patinho feio‘ da equipa, Éder, aquele que ninguém achava à altura dos nossos longos pergaminhos de derrotas morais. Éder desmentiu os sábios da farinha amparo e ainda nos deu uma vitória que levará anos, talvez décadas, a ser repetida. Foram assim goleados os tontos que preferem a bazófia da mediocridade ao esforço da persistência e da disciplina.

publicado às 19:34

Um pequeno exercício de imaginação

por Luís Naves, em 24.06.16

Imaginemos por um momento a Europa sem a UE. O mercado único entraria rapidamente em colapso, a livre circulação seria improvável e os países ricos recusariam pagar fundos estruturais aos pobres. A política agrícola comum seria extinta e muitos agricultores iriam imediatamente à falência. Para além da perturbação de todo o comércio, talvez não fosse possível assegurar a alimentação dos europeus. Haveria conflitos cada vez mais graves em torno de comida, direitos de pescas, energia, além de conflitos industriais, limitações à exportação de certos produtos, desemprego em massa. Progressivamente, estes conflitos alastravam a questões étnicas e surgiam movimentos de libertação, fragmentação de países, o regresso lento aos velhos mecanismos do equilíbrio de poder. Seria mais um suicídio europeu: fronteiras fechadas, todos mais pobres, os loucos a tomar conta do asilo.

publicado às 19:17

Cheiro a esturro

por Luís Naves, em 03.06.15

A história devia ser simples: anunciava-se um prémio para o melhor restaurante do mundo (reservas só daqui a um ano, preços absurdos), vi notícias banais sobre esse fait divers e só depois percebi que as coisas eram mais complicadas. Afinal, os critérios do ranking são contestados por profissionais do ramo e sobretudo pouco transparentes, pois ganham sempre os mesmos restaurantes e parece haver interesses poderosos em jogo, a glória das nações, essas coisas. A manipulação em larga escala invadiu áreas que pareciam pacíficas. A gastronomia (tal como o futebol, onde rebentou um escândalo de corrupção) pode ser um palco ideal da política. Já parecia ser mercado da vaidade, onde se vendia comida péssima a preços pornográficos (só os saloios dizem mal dos restaurantes da moda), mas agora percebemos que é igualmente uma indústria onde nos impingem ideias pouco inocentes sobre comida. No futuro, prometo desconfiar destas listas de restaurantes onde se premeiam menus pseudo-científicos sem ligação à biologia, onde se privilegia a obsessão com os sabores sem preocupação com a tradição, ou ainda mais importante, onde se ignora a simples ideia do equilíbrio nutritivo dos alimentos. Gosto de ver programas de televisão sobre culinária e os melhores são aqueles que optam pela simplicidade, mas percebo que isto seja cada vez mais um negócio complexo onde se explora a patetice dos ricos e a sua ânsia de experiências interditas aos pobres.

publicado às 19:33

Indignações de sofá

por Luís Naves, em 03.04.14

O País das indignações de sofá saiu hoje em defesa da vida virtual. Isabel Jonet, uma pessoa que trabalha com pobres, reconheceu numa entrevista que muitos desempregados se agarram excessivamente às redes sociais, passando ali demasiado do seu tempo, entre ilusões e pseudo-amigos. Esta opinião polémica devia fazer-nos reflectir, mas causou furor e raiva, motivando a revolta de muitos e a excitação de outros. A irritabilidade bem-pensante de uma certa elite é um dos elementos mais reveladores da doença social que tenho tentado abordar nos meus textos recentes: refiro-me ao desfasamento entre a vida real e o País mediático, que é cada vez mais notório, pois as elites já vivem de facto no facebook, nas suas festas irreais, na sua existência perfeita e protegida, na sua revolta pedante.
Por isso, o desemprego é uma mera abstracção, da qual se fala com spleen e enfado; os desempregados são seres distantes, e bem podem passar o seu tempo a trocar receitas, discutir o sexo dos anjos ou a escrever posts inflamados contra o Governo. Isabel Jonet recomenda que procurem o voluntariado? Pois isso é um horror social. Ela alerta para a existência de um problema social mais fundo e que não se percebe nas estatísticas? Pois, isso não importa nada. Queremos a espuma.
Os simplistas desconhecem que um dos maiores problemas pessoais de um desempregado é a perda da sua auto-estima, o perverso sentimento de vexame que o faz cair facilmente numa sedutora ilusão da passagem do tempo. No Facebook, onde todos os seus amigos desconhecidos são tão maravilhosos, é exactamente a auto-estima o que ele irá perder mais depressa.

publicado às 19:12

Outros tempos

por Luís Naves, em 03.03.14

Alguns textos de opinião que tenho lido sobre a crise ucraniana mostram como a nossa imprensa se tornou provinciana, após anos de dedicação a pequenos escândalos triviais. Fazendo elaborados paralelos históricos, um autor definia como "nacionalista jugoslavo" o homem que matou em Sarajevo o arquiduque Francisco Fernando da Áustria-Hungria (parei a leitura naquele ponto). Outros autores, numa estranha lógica, culpam a Alemanha ou a Europa pela crise. Nos blogues, há sobretudo quem descreva os ucranianos como “escumalha fascista”, terminando a prosa com hinos ao glorioso exército vermelho. Há ainda o culpado Barack Obama, por inacção (devia enviar porta-aviões para o Mar Negro).
O contexto histórico é importante nos conflitos, mas facilmente se cede à tentação de ver nos protagonistas autómatos que obedecem de forma cega aos fantasmas do passado. A Rússia está a ter um comportamento anacrónico, talvez tenha cometido um erro, mas as coincidências deste caso com a crise de 1914 resumem-se a dois algarismos. O único império com tiques do século XIX é mesmo a Rússia e não existem alianças que permitam um conflito ou o entusiasmo popular por uma luta. As analogias com a Grande Guerra são exercícios intelectuais que apenas ajudam a ver as diferenças.

Apesar da Rússia, vivemos numa Era pós-imperial que corresponde a outro tempo. O mundo é hoje dominado pela finança e a nova vaga de globalização aumentou a interdependência económica dos países. Os media e a alfabetização provocaram uma transformação radical das mentalidades. A informação circula de forma global e as pessoas sabem o que se passa nos países vizinhos e, acima de tudo, o cidadão comum tem uma educação mais sofisticada, que lhe permite interpretar a informação. Se a Rússia conseguisse ocupar toda a Ucrânia, o descontentamento dos súbditos impediria qualquer controlo efectivo do país conquistado. A queda do Muro de Berlim teve esta causa, os regimes comunistas eram patéticos e as pessoas queriam liberdade e desenvolvimento.

 

publicado às 12:52

Sair da crise é eleitoralismo

por Luís Naves, em 12.02.14

Em post anterior escrevi que a esquerda tem um discurso desadaptado à melhoria da situação económica. Em comentário, o leitor L. Rodrigues contestou a minha opinião e alertou para este post de Ricardo Paes Mamede, em Ladrões de Bicicletas, mas julgo que o texto citado só reforça aquilo que escrevi.

 

Os partidos da esquerda estão a colocar o período pós-troika nos seguintes termos: se o Governo optar pela saída à irlandesa, está a fazê-lo por eleitoralismo; se escolher o programa cautelar, escolheu a troika e falhou em toda a linha. No entanto, até Abril, quando o Governo decidir, alguém nos partidos de esquerda terá de dizer qual é a melhor táctica.
Na saída à irlandesa, temos taxas de juro ainda demasiado elevadas, mas já quase existe dinheiro para manter o País a funcionar até ao final de 2015. O programa cautelar estará certamente associado a condições (não digo da troika, mas pelo menos dos europeus). Que condições serão essas? Não sabemos, mas podemos especular: as previsões do FMI referidas no post de Ladrões de Bicicletas indicam que a despesa pública portuguesa, após as eleições de 2015, terá de continuar a ser cortada, talvez em 5 mil milhões de euros. Os impostos vão provavelmente baixar. O aumento nominal do PIB reduzirá o rácio da dívida portuguesa.


A leitura das previsões do FMI é de facto interessante. Publicadas há menos de três meses, estas estimativas já estão desactualizadas e falharam no desemprego de 2013. É também possível que a estimativa de crescimento em 2014 (0,8%) esteja subavaliada e comece a ser revista em alta. De resto, tal como escreve Paes Mamede, Portugal deverá ter nos próximos anos saldos primários da ordem de 3% do PIB. Pelo menos é isso que espera o FMI. O autor, professor de economia, acha improvável crescimento de 1,8%. No entanto, parece esquecer que os saldos primários elevados decorrem do Tratado Orçamental, que terá de ser cumprido por qualquer governo, independentemente de haver ou não cautelar. Dito de outra maneira: será forçoso ter saldos primários de 3%, se o País quiser pagar os juros da dívida acumulada pelos socialistas (estes juros serão de pelo menos 3,5% do PIB) e manter défices estruturais de 0,5%.

Então, o que quer a esquerda? Esta diz que sem cautelar não haverá crescimento suficiente para pagar as dívidas. Com cautelar, teremos condições que nos obrigam a continuar os cortes na despesa pública, mas precisamos também de cumprir as obrigações do Tratado que regula a zona euro. Vai dar mais ou menos ao mesmo. Logo, do ponto de vista da esquerda, a única solução que resta será abandonar o programa da troika a dois meses do seu final. Sair do euro e da União Europeia.


Num desenho animado da minha juventude havia uma personagem que passava o tempo a dizer, com voz muito grave: “We’re doomed”, “We’ll never make it” (estamos condenados, não vamos conseguir). Claro que os heróis se safavam sempre, mas ele insistia no episódio seguinte, “we’re doomed”, “we’ll never make it”. Os comentadores de esquerda fazem a mesma figura. Estiveram três anos a repetir que nunca íamos sair da crise e agora resta-lhes dizer que sair da crise é eleitoralismo. Em resumo, não podendo defender as condições duras do cautelar ou uma vitória governamental, os partidos à esquerda do PS preparam-se para defender a saída do euro.

publicado às 11:53

Propaganda sobre emprego, e da verdadeira

por Luís Naves, em 06.02.14

No auge das dificuldades do programa de resgate, em 2012, os partidos da esquerda subestimaram a capacidade dos portugueses resolverem a crise. Agora, que é tarde para derrubar o governo, estes partidos insistem no erro e tentam desvalorizar as boas notícias.
Quando surge uma sobre o principal problema do País, a esquerda reage da pior forma, inventando causas conjunturais ou até massagens nos números. Notícias potencialmente favoráveis ao governo não passam de propaganda, sobretudo se forem verdadeiras. No caso da melhoria do emprego, a responsabilidade é da emigração, (os emigrantes deixam de ser activos, mas não contam no emprego), ou dos cursos de formação (esta é extraordinária; será que não compete ao Governo fazer isso mesmo?). Enfim, políticos com bons salários explicam a pessoas desesperadas que a melhoria da situação inclui precariedade. Só lhes falta dizer: por favor, recusem os maus empregos que estão disponíveis.


Como não há debate na política portuguesa, ninguém mencionou que as estatísticas sobre emprego no quarto trimestre mostram acontecimentos interessantes. Pela primeira vez, no nível de escolaridade completo superior foi ultrapassado o milhão de postos de trabalho (1023 mil). Repito: o valor é inédito e duplicou numa década. Há agora mais de um milhão de licenciados a trabalhar, o que mostra uma alteração fundamental que o ajustamento provavelmente acelerou. Em 2008, havia 800 mil trabalhadores com nível de escolaridade completo superior. Em 2011, quando começou o programa de ajustamento, eles eram 909 mil (estou a comparar os quartos trimestres). A má notícia é que continuam a ser destruídos empregos pouco qualificados, apesar da criação líquida de postos de trabalho prosseguir (mais de cem mil no ano passado). Em resumo, o problema não está no desemprego jovem, mas no desemprego dos trabalhadores menos qualificados.
Estes são os factos. O desemprego médio em 2013 foi de 16,3%. No quarto trimestre havia 15,3% de trabalhadores desempregados. Ao mesmo tempo, o emprego está a subir, já a rondar 4,6 milhões. O FMI, que para variar se enganou, previa uma média de 18,2% em 2013. Um pequeno erro de cem mil empregos. Em resumo, as previsões têm de ser revistas. A agência de notação Fitch espera uma taxa de crescimento da economia portuguesa entre 0,8% e 1,4% em 2014. O primeiro valor do intervalo é a previsão da troika. As taxas de juro da dívida portuguesa a dez anos continuam em queda e já estão em 4,96%. Afinal, onde está a calamidade? Neste cenário, continuamos a discutir praxes e quadros de Miró. Isto vem por ondas: massacres regulares de direito constitucional, finanças públicas, pintura abstracta.

 

publicado às 12:45

O País distante

por Luís Naves, em 26.11.13

Entre aqueles que se pronunciam na praça pública, triunfa a narrativa do pensamento único. As pessoas das elites com acesso aos meios de comunicação deixaram de pensar nas consequências daquilo que dizem. Para eles, não existe o contexto europeu a limitar decisões. Os oligarcas da comunicação são os privilegiados, eternizam-se no poder, só conseguem ver os seus interesses estreitos e defendem o seu território, criando uma história conveniente, que consiste basicamente no seguinte: tudo o que o País tem de fazer para sobreviver à situação em que se encontra é perverso e dispensável.

Os donos do oráculo repetem indefinidamente a sua mensagem de impotência e de vazio. A negação da realidade resultaria num mundo que ninguém consegue imaginar ao certo, mas isso não lhes importa. Desta transição política, aliás, sairá talvez um novo poder criado a partir de ilusões. Motivará o mesmo descontentamento. Pode ser em Junho ou no ano seguinte, mas será também frágil e manipulado.

O pensamento único é populista e perigoso. O triunfo do mínimo denominador comum impede a sociedade de encontrar saídas para os seus problemas, omite factos relevantes e conduz qualquer discussão num só sentido, a remoer pequenos ajustes de contas. Os políticos que nos conduziram ao desastre são agora os heróis, pois dizem o que se espera deles. Os donos da razão repetem de cátedra o que sempre disseram.

As reformas que forem feitas neste período de transição serão provavelmente insuficientes. O País mediático ficará mais ou menos na mesma, reverente e conformista, obediente e humilde, sempre disposto a seguir na direcção de uma boa miragem. Os devaneios que nos fizeram um País periférico da Europa são os mesmos que nos vão afastar dessa Europa, que também está em plena transformação, mas sem lugar para tontos teimosos.

publicado às 12:27

A jangada e o salvamento

por Luís Naves, em 05.10.13

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Tirando alguns textos mais lúcidos, nas análises políticas raramente surge o factor que a meu ver se revela determinante para o futuro do País: conseguirá ou não Portugal regressar aos mercados antes de Junho de 2014? A pergunta é aparentemente simples, mas faz toda a gente encolher os ombros. O que é interessa isso, perguntam, se há dois milhões de pobres e um milhão de desempregados, se lutamos para pagar as contas ao fim do mês e suspiramos pela magreza do dinheiro que nos sobra dos cortes? Os mercados não dão pão nem emprego.
E, no entanto, se não regressarmos aos mercados nos próximos dez meses, a economia portuguesa terá de se financiar através da troika, o que implica segundo resgate (que não é garantido). Isso significa novo programa de ajustamento, com condições mais duras e que irá prolongar no tempo o estado de protectorado em que nos encontramos. As empresas nacionais terão dificuldades no seu financiamento e haverá menos crédito disponível, menos investimento privado, mais falências e menor criação de emprego. Provavelmente, tudo isto seria acompanhado de uma reestruturação da dívida com enormes perdas para os bancos e grande risco de saída do euro.

 

publicado às 13:15


Autores

João Villalobos e Luís Naves