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por Luís Naves, em 28.08.17

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As discussões em Portugal estão a atingir um tom histérico que talvez seja revelador de problemas mais fundos. Felizmente, ainda resistem algumas vozes lúcidas. Dou aqui três exemplos de autores que, num país civilizado, seriam escutados com mais atenção.


Francisco José Viegas alia a sua cultura vastíssima a uma interpretação inteligente do mundo. Todos os seus textos são uma delícia de estilo, pois é um mestre da crónica e romancista premiado, que ainda por cima consegue escrever com humor irónico, o mais difícil.
Filipe Nunes Vicente, um dos nomes da blogosfera portuguesa, tem um novo blogue. O autor habituou-nos a um pensamento livre, que se está nas tintas para o arrastão das banalidades. Garante aos seus leitores acutilância.
O terceiro exemplo que vos deixo brilha sempre pela clareza das ideias. Pedro Correia tem toda a razão neste texto e os delírios politicamente correctos que refere mais parecem um ensaio de Verão Quente. Esta nova protecção civil do pensamento vai começar a cortar a eito no eucaliptal da tradição literária: em particular, parece-me, o Camilo está tramado.

Veja-se esta frase politicamente incorrecta de Camilo Castelo Branco, quando o narrador discute o mérito relativo de famílias provincianas, a do neto do almocreve com pergaminhos (apesar de tudo duvidosos) nas guerras napoleónicas e a dos morgados antigos, nas campanhas coloniais: "A minha opinião é que o neto dos almocreves tinha direitos muito mais legítimos à nobreza, porque matou franceses invasores da sua pátria, e não foi levar a assolaçao e a morte aos pobres indianos, que lá viviam tranquilos e inofensivos, nos seus palmares, com as suas crenças, com os seus haveres, e com a feliz ignorância".

Camilo Castelo Branco, Dois Santos Não Beatificados em Roma (novela), em Duas Horas de Leitura, 1857.

(Reparem como ele não consegue condenar completamente o racismo xenófobo e a violência imperialista).

publicado às 19:09

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por Luís Naves, em 30.09.14

Bons exemplos de textos da concorrência sobre os desenvolvimentos políticos:

 

Em Nada o Dispõe à Acção, Pedro Picoito opina sobre a dinâmica de vitória do PS, as expectativas elevadas em relação a António Costa e a resposta da coligação, com a possível tentação da demagogia. Os anos eleitorais são tramados. Só que, ao contrário de 2009, desta vez temos a troika à perna. O texto é excelente e, por erro, foi atribuído em versão anterior deste post a Filipe Nunes Vicente, autor que considero um dos mais argutos da blogosfera. Peço imensa desculpa pelo lamantável equívoco.

 

Acho notável este texto de rui a., em Blasfémias. O autor fala de um padrão constante na política portuguesa, a existência do número dois nas lideranças e questiona-se sobre quem será o possível braço direito de António Costa.

 

Francisco Seixas da Costa sublinha a forte legitimidade do novo líder do PS, que é superior à que teria numa vitória em congresso. Isto representa um capital político inestimável.

 

Também há textos como este, de Isabel Moreira, publicado em Aspirina B antes da votação nas primárias. A prosa sugere que o PS sai da crise (ou transição) com feridas profundas. As clivagens são entre os que querem uma coligação mais à esquerda, que nos levaria a uma possível ruptura europeia, e os moderados que julgam inevitável um bloco central que prossiga as reformas estruturais.

 

Finalmente, este é um dos melhores textos que li sobre o tema. O autor é Rui Bebiano. Simplesmente brilhante.

 

publicado às 12:16

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por Luís Naves, em 05.04.14


A Bomba Inteligente fez onze anos. Gosto de ler o blogue de Carla Quevedo, pelo bom gosto, a criatividade, a cultura da autora. Parabéns pelo serviço público. 

Manuel Jorge Marmelo encanta-nos com a sua belíssima escrita em Teatro Anatómico, onde também podemos ver algumas fotografias de alta qualidade.

Esta crónica de Pedro Rolo Duarte é uma lição de sabedoria.

João Oliveira faz um útil serviço aos leitores em Sentido dos Livros.


Filipe Nunes Vicente, um dos mais cultos e preparados autores da blogosfera portuguesa, lançou uma nova proposta: Nada o Dispõe à Acção.

 

E uma ligação ao portal de literatura húngara (em inglês), para compensar das parvoíces que vamos ouvir sobre a Hungria nos próximos dias, após as eleições.
E este link literário faz uma boa ligação a Cidade Conquistada, de Oskar Shidinski, em torno do qual gira Uma Mentira Mil Vezes Repetida, de Manuel Jorge Marmelo, que já devia estar traduzido em húngaro (e não só). Uma Mentira Mil Vezes Repetida é um excelente romance, merecedor de um prémio prestigiado (Casino da Póvoa-Correntes d'Escritas); leitura fascinante, repleta de pequenas histórias que revelam a imaginação delirante do autor, num ritmo perfeito, com personagens enigmáticas e muitas boas ideias.

publicado às 13:59

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por Luís Naves, em 03.03.14

Convém por estes dias ler José Milhazes e o seu blogue Da Rússia, com muita informação interessante sobre o conflito na Ucrânia, mas na blogosfera há outros autores lúcidos a escrever sobre o tema.

Destaco estes dois notáveis artigos de Francisco Seixas da Costa, aqui e aqui, em Duas ou Três Coisas. O autor sublinha a complexidade da situação e faz um alerta contra interpretações apressadas.

Por falar em interpretações apressadas, deixo este pequeno post de Sérgio Almeida Correia, em Delito de Opinião. Ialta deixou de fazer sentido a partir do fim da URSS e da Queda do Muro de Berlim; de outra forma, Varsóvia e Budapeste ainda fariam parte do bloco soviético. É precisamente por este já não existir que temos uma nova ordem mundial, que já somou 25 anos.

Também em Delito de Opinião, há dois posts de Pedro Correia, um com informação útil, aqui, e outro com uma boa observação, aqui; tem alguns dias, mas mantêm a actualidade.

Paulo Gorjão, em Bloguítica, escreve sobre uma evidente fragilidade estratégica da Rússia.

E Rui Bebiano, em A Terceira Noite, assina um brilhante texto de opinião.

Em resumo, a blogosfera está a dar cinco a zero à imprensa.

 

 

publicado às 18:12

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por Luís Naves, em 22.01.14

Alguns exemplos de lucidez na blogosfera:
Este texto de Sarah Adamopoulos é uma das melhores análises que tenho lido sobre a actual crise na comunicação social. Há sobretudo quem fale sobre o tema sem perceber um átomo dele, por isso merece ser lido com a máxima atenção um raro post certeiro: está aqui o essencial. Ficamos a perceber o divórcio entre opinião pública e opinião publicada, ficamos a perceber o suicídio dos jornais e o seu declínio.
Luís Menezes Leitão publica em Delito de Opinião um comentário oportuno. Leio regularmente este autor desde 2008 e tem sido das vozes mais sensatas e clarividentes. 
Como de costume, Paulo Gorjão diz o essencial em poucas linhas. O link vai para uma notícia onde ficamos a saber que as primeiras conversas sobre o resgate foram no Verão de 2010; só depois, em Novembro, as taxas da dívida a dez anos passaram os 7%. Nessa altura, a Irlanda pediu ajuda e Portugal devia ter feito o mesmo, mas resistiu como uma aldeia gaulesa, embora o PEC IV (em Março de 2011) fosse mais uma fantasia, como sugere acertadamente Luís Moreira, em Banda Larga. O resgate de Maio de 2011 veio pelo menos com seis meses de atraso e foi mais duro do que poderia ter sido. Muitos esqueceram esta cronologia tão simples.


Francisco José Viegas faz aqui um resumo notável do que será verdadeiramente o pós-troika, ou seja, uma mudança de mentalidade.  
Rui Bebiano, em a Terceira Noite, critica a questão da redução das bolsas para a ciência. Concordo inteiramente. Só um péssimo ministro da Educação poderia apoiar tal medida. Pode o tema estar mal explicado e haver mais bolsas do que as que foram anunciadas, mas Nuno Crato deveria ter apresentado a demissão, ou por concordar com os cortes ou por não os explicar devidamente.
E não podia estar mais de acordo com o Henrique Raposo. Este pequeno episódio faz uma excelente ligação ao primeiro texto citado.

 

 

E um exemplo de falta de lucidez:

Neste texto, a coerência é uma barata tonta. João Miguel Tavares diz que votou no PSD e que agora tem vergonha do PSD. Supomos que irá mudar de voto, embora isso não interesse sequer ao periquito do autor. Entretanto, acho estranho que alguém que fez eleger um governo tenha estado dois anos e meio a bater nele em colunas de jornal e a escrever sobre ele o que Maomé não escreveu sobre o toucinho. É mesmo bizarro. O direito à crítica não justifica ter memória selectiva. Em relação ao resto do texto, até concordo, mas com este ponto de partida, como é podemos levar a sério a indignação do colunista?

publicado às 11:58

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por Luís Naves, em 01.01.14

Aproveito para desejar a todos os leitores um feliz 2014 e recomendar alguns exemplos da blogosfera que mais me interessa:
Estes ensaios de António Araújo, em Malomil, são quase sempre de grande qualidade. O autor escreve com erudição mas num tom despretensioso que leva o leitor apressado da blogosfera a ler com atenção redobrada. Conheço razoavelmente a obra de Evelyn Waugh e desconhecia quase tudo o que vem neste texto. O autor de Malomil já deve ter material mais do que suficiente para um livro que não deixarei de comprar.
Excelente post de Paulo Gorjão, em Bloguítica. A discussão leva-nos longe e as conversas irreais que preenchem o nosso debate político têm sempre um encontro inevitável com a realidade.
Tavares Moreira faz reflexões simples, mas geralmente no alvo. O texto resume a situação do País e faz recordar outros exemplos do lirismo português na discussão nacional.
Muito bom, este texto de José Navarro de Andrade, em Delito de Opinião, sobre dois romances que também me impressionaram. 

publicado às 17:54

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por Luís Naves, em 24.12.13

Ana Cristina Leonardo, em Meditação na Pastelaria, oferece aos seus leitores este belo presente de Natal. A autora não esclarece se é conto ou fragmento de novela, mas estamos perante um exemplo soberbo da melhor tradição literária. Como leitor, o meu obrigado.
Por falar em tradição literária, leia-se este notável conto húngaro (infelizmente, apenas a versão inglesa do texto). Notem a diferença de estilos, o tom brutal e directo de Szilárd Borbély, cuja prosa é menos lírica e deambulante do que no caso da autora portuguesa.
O texto húngaro tem evidente intenção política e está ligado a outro conto clássico, de Miklós Mészoly, sobre ratos, tornado famoso pela alegoria anti-ditatorial, à época muito atrevida.
Nunca percebi a razão de haver tão poucos especialistas em conto na nossa literatura (tirando alguns excelentes, como Rodrigues Miguéis, Miguel Torga, Urbano Tavares Rodrigues, Cardoso Pires ou Mário de Carvalho). Como se vê no exemplo acima, há quem escreva ao nível do melhor que se faz em países onde existe o gosto e a tradição da história curta.

 

Por falar em literatura (e em conto), uma ligação ao blogue de Manuel Jorge Marmelo, escritor que muito admiro.
Também ao blogue de Rui Ângelo Araújo, Os Canhões de Navarone, onde são frequentes os textos de alta qualidade.


E, finalmente, este texto sobre uma biblioteca e o amor à literatura, por Francisco Seixas da Costa, em Duas ou Três Coisas. 

publicado às 12:36

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por Luís Naves, em 16.12.13

Um excelente texto de Pedro Correia, em Delito de Opinião, sobre a morte do actor Peter O'Toole. Tive o privilégio de ver Lawrence da Arábia em 70 mm, num cinema que já não existe. Teria os meus 18 ou 19 anos. Sei que não saí daquela sala de cinema a mesma pessoa.

AEfectivamente, de Fátima Laouini, tem uma escrita muito acima da média. Este blogue possui bom gosto e tudo ali é bem pensado.

Outro excelente exemplo da blogosfera culta é A Terceira Noite, de Rui Bebiano. Destaco esta crónica sobre Dostoievski, que me foi mais útil por estar a ler O Idiota, romance onde o autor russo constrói uma fabulosa galeria de personagens.

 

Luciano Amaral faz aqui um dos poucos comentários que vi na blogosfera recente sobre o projecto de referendo na Catalunha. Este tema diz-nos respeito, pois ameaça provocar complicações que podem sair de Espanha. O plano (estapafúrdio) é fazer duas perguntas e as sondagens demonstram que a resposta dos catalães poderá ser ambígua. No texto, comenta-se a posição da Comissão Europeia, que promete toda a espécie de sarilhos adicionais.

Sérgio Lavos, em Arrastão, tem razão num aspecto: o Governo cometeu o erro crasso de dizer que queria ir além da troika, afirmação incompatível com os actuais lamentos sobre os erros do programa. Se aquilo era irrealista, para quê ir além? Há um erro no texto sobre o défice de 2010, que não era conhecido em Abril de 2010, mas de 2011. Tirando a gralha, o texto também mostra que a esquerda não esquece nada e não aprende nada. Sair do programa da troika é o melhor objectivo que nos resta. E havia alternativa à troika? É evidente que não, por mais que se reescreva a História.

Luís Aguiar-Conraria, em Destreza das Dúvidas, faz um bom resumo sobre as contradições dos nossos políticos.

publicado às 13:11

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por Luís Naves, em 19.10.13

Recomendo a leitura deste post lúcido, em Os Comediantes, e também de outro texto, com uma análise muito original de Luís Aguiar-Conraria.

Um dos problemas políticos centrais parece-me ser a circunstância da esquerda (e parte da direita) não compreenderem que Portugal está sob resgate financeiro. Além disso, os credores estarão a perder a paciência com a incapacidade revelada pelas instituições no cumprimento do acordo que nos obriga a fazer um duro ajustamento nas contas públicas, acompanhado de reformas estruturais complexas.
A nossa soberania é limitada enquanto decorrer o resgate externo. Temos de prestar contas regulares a uma troika que representa os interesses de quem nos emprestou dinheiro.


Esta realidade muito simples é ignorada nos assomos patrióticos que parecem ter entrado na moda.

A polémica sobre o relatório do representante da Comissão Europeia em Lisboa é das coisas mais bizarras a que tenho assistido nesta fase política digna de um país autista. Com base no que leio em jornais e blogues, e se me tivessem perguntado a opinião, teria escrito da mesma forma que o representante da Comissão Europeia em Lisboa, cujo trabalho é fazer este tipo de relatórios.

 

Vítor Cunha, em Blasfémias, sublinha a contradição dos blogues que se indignam com o caso. Por exemplo, este documento é incompreensível, para mais vindo de um eurodeputado, Rui Tavares, que escreveu um relatório com críticas duríssimas a um país da União Europeia que não estava submetido a uma troika. Esta autora, Shyznogud, em Jugular, com quem já mantive várias polémicas, foi das mais críticas da Hungria, mas agora indigna-se com um documento interno da Comissão Europeia que, em termos de ingerências, é uma banalidade.

Tentei explicar aqui a questão.
Lembro que o governo húngaro sofreu pressões de Bruxelas (e bem) para alterar aspectos da sua Constituição, o que fez, dando argumentos a um perigoso partido da extrema-direita.
Mas em Portugal estamos perante a indignação por causa de uma opinião interna de um funcionário europeu que constata o óbvio sobre eventuais decisões do nosso Tribunal Constitucional e que afirma algo que um bloguer anónimo como eu estaria disposto a afirmar também. Não duvido que mais à frente no campeonato haverá pressões para alterações constitucionais. Isso não será agradável, mas os que agora têm assomos patrióticos deviam guardar-se para ocasiões importantes.

publicado às 14:07

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por Luís Naves, em 16.10.13

No complexo teatro que se adivinha para este orçamento, vemos como o extremar da retórica dos actores torna difícil construir uma noção clara da realidade. No oceano de repetições e de ideias fracas em que por vezes mergulha a blogosfera, destaque para dois excelentes textos que permitem olhar para a luta política de maneira um pouco mais lúcida.
Em Blasfémias, João Caetano Dias analisa as consequências de eventuais obstáculos no Tribunal Constitucional às medidas orçamentais e antecipa o ruído mediático e o tumulto no País. É um artigo notável e duro. Só espero que o autor esteja a ser demasiado pessimista, embora concorde com ele quando se refere a um cenário de eleições antecipadas.
Tavares Moreira, em Quarta República, tem uma análise mais serena e porventura mais profunda. Movem-se os interesses, tão simples como isto. Só acrescentaria que a comunicação social parece uma barata tonta, em busca do último escândalo e da mais recente declaração balofa, perdendo-se com facilidade no nevoeiro artificial (veja-se a recente histeria e os assomos patrióticos em torno de Angola).

publicado às 19:47


Autores

João Villalobos e Luís Naves