Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



O tempo dos perdedores

por Luís Naves, em 03.06.25

A ideia de que a Rússia pode ser vencida não se extingue. Foi política oficial dos EUA até Trump vencer as eleições, com a promessa de acabar com o conflito da Ucrânia. Estão agora no poder novos estrategas, segundo os quais "os EUA não têm qualquer interesse vital na Ucrânia", mas o mundo já não é controlado por agentes racionais: as pressões sobre Trump para punir a Rússia intensificam-se. Há políticos a insistir na ideia de que a Federação Russa deve ser derrotada, basta para isso reforçar a estratégia que até agora não funcionou. Fala-se em "sanções devastadoras" contra Moscovo, que podem ser interpretadas do outro lado como declaração de guerra. Os americanos saem do conflito e os europeus assumem a liderança, tudo indica que vem aí um desastre. Deixei de tentar entender os irresponsáveis, mais aqueles que nas televisões aplaudem estas loucuras. Há uma ideia provocatória de Giuliano Da Empoli, segundo a qual vivemos na Hora dos Predadores; parece-me que estamos, sim, no tempo dos perdedores, de uma elite de rara incompetência. A liderança está cega e tonta, é incentivada por patetas. Como os alucinados de 1914, esta gente defende o indefensável, de que uma guerra geral é a melhor coisa que nos pode acontecer.

Tags:

publicado às 19:01

A hipocrisia infinita

por Luís Naves, em 01.06.25

O Ocidente foi anestesiado com a infinita repetição da hipocrisia. A guerra da Ucrânia é até ao último ucraniano (isto é um lugar-comum, mas infelizmente verdadeiro). No entanto, o massacre continua, já na sua forma desesperada, com o firme apoio dos ocidentais, que chamam resistência à obstinação cega de uma guerra por procuração que pode, a todo o momento, transformar-se em guerra nuclear. Uma das frases contemporâneas mais irritantes é a defesa "dos valores europeus", cuja tradução é na realidade "a defesa dos nossos interesses". Israel ataca em Gaza pontos de distribuição de comida e mata dezenas de pessoas, a população está a ser assassinada à fome ou cai em emboscadas nos santuários humanitários que Israel controla, após impedir todos os que não controla. Onde estão os valores ocidentais? Isto não é em nada diferente do Gueto de Varsóvia, até no silêncio da comunidade internacional. Ao menos, no caso do Holocausto, o mundo podia dizer que não sabia, não o pode fazer neste caso. Sabemos perfeitamente, mas temos as mãos atadas. Ministros israelitas dizem com clareza que até as crianças de Gaza devem ser exterminadas, para que não haja amanhã terroristas. Isto não gera indignações, nem sanções, nem nada. O silêncio, a notícia envergonhada, o encolher de ombros. É assim, já estamos habituados à repetição infinita da hipocrisia.

Tags:

publicado às 11:37

Apresentação de Almas Artificiais

por Luís Naves, em 27.05.25

imagem capa.jpg

Convido os leitores a participarem no lançamento do meu novo livro, esta quinta-feira, dia 29, às 18 e 30, na Casa da Imprensa, em Lisboa, rua da Horta Seca, 20, junto ao Largo de Camões. A apresentação da obra será feita pelo escritor Ernesto Rodrigues. Fora do circuito das editoras tradicionais e do sistema literário, não poderei proporcionar o evento mediático que todos esperam. Trata-se igualmente de um livro de contos, formato que não é apreciado no chamado mercado da literatura. Havendo grandes autores portugueses que escreveram excelentes histórias de curta dimensão, o facto é que em Portugal o conto continua a ser subestimado. Os editores dizem que não vende e os autores evitam escrever prosas pequenas, dada a reduzida probabilidade de publicação. Para piorar o cenário, este meu livro, Almas Artificiais, inclui várias histórias de fantasia, género pouco popular na nossa literatura, que tem o gosto do realismo, do floreado e do delico-doce. Com toda a franqueza, a situação é ainda pior, pois neste livro não se encontram ideias piedosas politicamente corretas nem são defendidas grandes causas humanitárias. Haverá certamente leitores perplexos, que se vão interrogar sobre os motivos do autor. Qual era a intenção? O que pretendeu dizer? Lamento, mas não tenho resposta.

Tags:

publicado às 13:22

A propósito de valores

por Luís Naves, em 18.05.25

Revejo-me cada vez mais nos valores que a igreja moderna defende: a rejeição do materialismo, a ideia da paz, a crítica do vazio. O mundo contemporâneo está a produzir demasiadas almas infelizes, tem maior número de gente desorientada, e os meios de comunicação participam ativamente na destruição niilista. A desordem parece ser conveniente para alguns interesses insaciáveis. Por todo o lado, cresce a rejeição das tradições, vemos a ridicularização das crenças e surge uma triste ideologia sem conteúdo que procura impor a desumanização e a anestesia dos prazeres. De que nos serve ter uma vida desfocada? As novas bandeiras são a miséria moral e o desprezo pelo outro. Tudo isto é feito em nome da liberdade, mas emerge das cinzas da destruição do passado uma sociedade feia e agressiva. Vivemos hoje no salve-se-quem-puder. Os vulneráveis serão ainda mais vulneráveis e os poderosos terão mais poder. A dívida insustentável aprisionou os povos e as clivagens sociais aumentam. A sabedoria e a coragem perderam-se, substituídas pela estagnação medíocre, a banalidade espetacular e o declínio da civilização.

Tags:

publicado às 10:10

O crime da nossa época

por Luís Naves, em 06.05.25

Israel decidiu expandir a operação militar em Gaza e está a mobilizar dezenas de milhares de reservistas. A situação no território é desesperada, a infraestrutura reduzida a ruínas e a ajuda humanitária bloqueada há mais de oito semanas. Dois milhões de pessoas estão literalmente a morrer de fome e sede, perante o silêncio da chamada comunidade internacional. O horror é total e os desalmados dirigentes israelitas vão aumentar a violência. Não há comida, combustível, água potável, medicamentos. Os bombardeamentos continuam, sem que se vislumbre algum esforço para negociar a entrega dos reféns ainda vivos, pouco mais de vinte. A única estratégia é matar o máximo de palestinianos. Se assistimos a um crime no século XXI, pois ele aí está, o mundo a encolher os ombros, o massacre ao vivo e a cores, a teoria racial triunfante e o desprezo pelos desumanizados. Os cristãos queixam-se, mas não serve de nada. Os ativistas queixam-se, mas não serve de nada. Os palestinianos nem sequer têm voz para se queixar, vivem num gueto e são bombardeados; mulheres, crianças e velhos iguais aos combatentes, simples alvos. Isto já não é uma limpeza étnica, é muito mais.

Tags:

publicado às 09:59

Anos de esperança

por Luís Naves, em 22.04.25

anos50-futuro.jpeg

Na ficção científica clássica, nos anos 40 e 50, toda a visão era de grande otimismo. A tecnologia faria maravilhas e depressa. Era comum a ideia de colonização dos planetas ainda antes do fim do século. Estações espaciais gigantescas, naves eficazes, propulsão quase sem limites, tudo isso estava ao nosso alcance dentro de uma geração, ou até menos. A humanidade iria encontrar perigos no sistema solar exterior, mas o progresso era inevitável para americanos e soviéticos. De facto, os avanços tecnológicos foram espantosos, embora não tenham facilitado a conquista do espaço: há novos combustíveis e motores, mas as grandes novidades são sistemas automáticos que dispensam astronautas. As previsões falharam, sim, não houve um grande salto na energia nuclear, pelo contrário, esta perdeu protagonismo. A ficção científica de hoje é mais pessimista. Não haverá grandes progressos nas próximas décadas: são concebidas distopias, colapsos, estados falhados e sistemas de opressão. As cidades imaginárias são sombrias e sem aventura. Há perigos existenciais para a humanidade, rebeliões e sociedades fracassadas. Os autores clássicos falharam muito na sua antecipação. Os de agora também devem passar ao lado do futuro.

imagem gerada por IA, Microsoft Image Creator.

Tags:

publicado às 12:51

Nova sociedade

por Luís Naves, em 01.04.25

coro de robôs.jpeg

A fotografia digital levou quase vinte anos a evoluir de tecnologia primitiva para a presença quase universal nos telemóveis, onde se tornou uma banalidade barata. Quando há uma desgraça, as pessoas usam os telefones para filmar e os pequenos vídeos são vistos em todo o planeta. À democratização das imagens junta-se agora a trivialidade de um texto. Qualquer pessoa pode escrever em mais do que uma língua, usando tradutores automáticos e modelos artificiais de linguagem. Também é fácil publicar o que se escreve, seja em blogues como este ou até em livro, em plataformas que estão amplamente disponíveis. Os carros elétricos demoraram poucos anos a impor-se, são ainda pesados e caros, mas há notícias sobre ruturas iminentes, incluindo baterias mais densas e resistentes, fábricas robotizadas e inovações na condução autónoma. Fala-se numa nova vaga tecnológica de inteligência artificial capaz de destruir milhões de empregos e sabemos que os efeitos sociais de tais turbulências podem ser devastadores. Estados Unidos e China preparam-se para um duelo em torno do fabrico de robôs humanoides. Serão produzidos e vendidos dezenas de milhões por ano. Terão grandes limitações, naturalmente. Ninguém terá interesse em ouvir robôs a cantar e talvez os seus sonhos sejam inexistentes. Enfim, o que sabemos do futuro é incerto, mas torna-se cada vez mais difícil conceber a vida dos nossos antepassados, que praticamente não viam mudanças durante décadas. O mundo em que se nascia era idêntico àquele em que se morria. No que me diz respeito, tenho a sensação de ter nascido numa sociedade que já não existe e, provavelmente, aquela em que vou morrer será totalmente diferente da atual.

imagem gerada por IA, Microsoft Image Creator

Tags:

publicado às 13:04

Evitar a paz

por Luís Naves, em 27.03.25

Os líderes europeus querem apenas travar ou adiar a paz na Ucrânia. Como se costuma dizer nos meios europeus, não há plano B, mas o facto é que desta vez não existe sequer plano A. Não há qualquer estratégia, apenas intenções vagas, protestos inúteis, cenários voláteis. Estes senhores estão a acabar com a União Europeia. As divisões são profundas, o pesadelo é que russos e americanos cheguem a um cessar-fogo na Ucrânia e substituam o poder corrupto que transformou aquele país num potencial Estado falhado. A Europa está a exibir a sua irrelevância e ninguém se lembra do óbvio: e se falássemos com a Rússia para tratar de uma paz honrosa? Nada disso.

A anterior ordem mundial está estilhaçada. O liberalismo que nos venderam fracassou, alimentou clivagens sociais e alienou parte substancial dos eleitorados. Há muitos europeus descontentes, até em revolta, que não entendem esta conversa da guerra iminente. Para que servem as cimeiras bélicas? Para expandir a indústria militar, financiada pelos contribuintes (um setor não produtivo que introduz despesa). Durante anos, vivemos em austeridade, a apertar o cinto, mas a austeridade já não se aplica no caso dos armamentos, serve só para a vida civil.

A Ucrânia é um protetorado em agonia, mais do que isso, é uma colónia. As terras foram compradas por multinacionais, que controlam tudo e vão controlar a reconstrução paga pelo bolso dos europeus e pela exploração dos minérios. A Rússia ganhou a guerra e fica com um quinto do território. Americanos e russos vão concluir um acordo, sem europeus sentados à mesa. No fundo, toda esta resistência europeia nas cimeiras inúteis da coligação dos voluntariosos prolonga mais um bocado a sobrevivência política de líderes desacreditados, os mais desprezados de que há memória, a caminho da saída pela porta pequena.

Tags:

publicado às 21:16

Teremos sempre Paris

por Luís Naves, em 26.03.25

teremos sempre paris.jpeg

A UE está a preparar um plano para transformar os europeus em maluquinhos da sobrevivência, tal como se vê nos reality show. Cada família deve preparar um pacote de bens para se manter 72 horas sem auxílio externo. A justificação para estas precauções é a guerra contra a Rússia para a qual se preparam os líderes da Europa, enquanto na Arábia Saudita decorrem negociações de paz entre americanos e russos, envolvendo a Ucrânia. Apesar de se vislumbrar um cessar-fogo, a retórica europeia soa cada vez mais desesperada, como se o exército russo estivesse às portas de Paris.

Os europeus já não conseguem esconder as suas divisões. O plano de rearmar a Europa teve de mudar de nome; a ajuda militar à Ucrânia começou com um pacote coletivo de 40 mil milhões, a dividir por todos, passou depois para 5 mil milhões, agora já é voluntário. Em dinheiro a sério de rearmamento, restam 150 mil milhões de dívida coletiva a que alguns estados resistem e a verba que cada país quiser gastar, uns com mais possibilidades, outros (como Portugal) sem margem.

Segundo uma fuga de informação demasiado oportuna para ser inocente, os americanos consideram a Europa "patética" e lamentam a impotência destes seus aliados que supostamente viajam às cavalitas do império. A conversa dura dos europeus não tem dentes, sobretudo ninguém percebe a estratégia de falar grosso. Isto serve para quê? Rearmar a Europa pode levar dez anos, insultar os russos parece descerebrado e terá a intenção única de evitar a paz na Ucrânia, condenando aquele país devastado a sacrifícios que o transformarão num estado falhado. É neste contexto que surge a ideia peregrina do kit de sobrevivência.

A continuação da guerra tem efeitos devastadores na Ucrânia, nomeadamente a perspetiva de colapso da frente, enquanto a estratégia bélica pouco convincente dos europeus ameaça partir ao meio a União Europeia, alienando ainda mais a administração americana. Há quem acredite neste reviver o passado em 39, muitos levam a sério as ameaças vazias e as previsões tolas desta gente desacreditada que só quer sobreviver a mais uma mentira. O conflito entrou numa fase crítica, mas os eurocratas apostam na criação de um clima de medo, na supressão de opiniões contrárias e na corrida desenfreada rumo à total irrelevância.

imagem gerada por IA, Microsoft Image Creator

Tags:

publicado às 18:34

O trovão

por Luís Naves, em 20.03.25

máquinas de lavar roupa2.jpg

A Europa não se consegue sentar à mesa do banquete, isso significa que alguém está a comer do prato dos europeus. Há um desespero entre os dirigentes e uma perigosa divisão que pode acabar com a UE. Os líderes gastaram fortunas numa guerra perdida e não conseguem explicar o essencial: a Ucrânia ficará bem pior do que ficaria se tivesse assinado o acordo de Istambul, em 2022, que foi travado pelos ocidentais; aliás, esta guerra podia ter sido evitada desde o início, Trump tem razão quando o afirma. Lembram-se dos russos a tirarem os chips das máquinas de lavar roupa? Os russos que iam ficar de joelhos em quinze dias de sanções?

Os líderes europeus estão reunidos em conselho para discutir a segurança europeia e já se notam as fissuras do edifício. A retórica marcial será bem mais contundente do que o dinheiro concreto, mas lendo os noticiários e ouvindo os comentadores, isto só acaba com as nossas tropas em Vladivostoque. A abertura de uma notícia, hoje, em Le Figaro, mostra até que ponto estamos a assistir a uma farsa: durante uma conferência de Imprensa, Zelensky recebeu uma chamada de Macron; "agora, não posso atender, estou a falar com jornalistas", disse o ucraniano, ouvido pelos presentes. Este é o teatro europeu, o delírio que nos arrasta para uma guerra mundial, associado a um estranho militarismo, que vai trocar políticas sociais por armamentos, perante o entusiástico aplauso de gente que se comove com um gatinho à chuva.

Nestas cimeiras heroicas, os nossos líderes procuram esconder a sua impotência e tentam prolongar a todo o custo a guerra perdida da Ucrânia. Não se vão sentar à mesa da negociação de paz, por isso querem boicotar o processo, que dizem ser uma traição. Macron já não controla a política interna do seu país, mas procura reinventar-se como uma espécie de Napoleão a caminho da Berezina. Zelensky presidiu à maior calamidade ucraniana desde a II Guerra Mundial, o seu país perdeu um quinto do território e 40% da população, mas é um grande combatente da liberdade que não atende a chamada do presidente francês enquanto fala com jornalistas. São estas as referências que seguimos.

Estamos a ser bombardeados com uma narrativa que obrigará os europeus a abandonar a aliança americana. Vamos sair da NATO, trocamos Trump por Zelensky e prosseguimos a guerra contra a Rússia sem os americanos. É fácil perceber que tudo isto é estúpido, mas não há lugar para protestos como este texto. Ele será invisível nas redes e, se alguém o ler, vai gerar insultos. Os factos provocam a fúria das pessoas que durante três anos foram enganadas pela propaganda bélica ocidental. A natureza deste conflito é bem mais complexa do que aquela que nos venderam, fomos enganados e vamos pagar estes erros de forma amarga. Isto pode acabar com uma humilhação europeia, como aconteceu na Crise do Suez, em 1956.

imagem gerada por IA, Night Café

Tags:

publicado às 13:02


Autores

João Villalobos e Luís Naves