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Teatro político

por Luís Naves, em 18.08.25

A opinião pública europeia foi enganada durante três anos e meio sobre as causas da guerra da Ucrânia e a situação no campo de batalha. Perante a impossibilidade de sanções secundárias contra a Rússia, pressionado pela sua base eleitoral, a quem prometeu acabar depressa com o conflito (mas também pela escassez de munições), Donald Trump mudou subitamente a estratégia americana e decidiu fazer um acordo com Moscovo. Os países europeus estão em pânico, mas ajudaram a escavar o buraco onde agora se encontram presos. A Europa podia ter negociado com o Kremlin muito antes, mas insistiu em prolongar uma guerra que a Ucrânia não podia vencer. Zelensky é uma figura trágica, não tem cartas na mão, será responsabilizado pela maior calamidade sofrida pelo povo ucraniano nos últimos setenta anos; terá de aceitar a neutralidade, perdas territoriais e garantias frágeis. A alternativa a um mau acordo é a saída dos EUA do conflito, inaceitável para todos. Os europeus sabem que não podem continuar sem os americanos e terão de aceitar um entendimento com a Rússia. A realidade tem este péssimo hábito de destruir as melhores ilusões: a guerra acaba, a Rússia sai vencedora, a Ucrânia será um Estado-tampão e os líderes europeus terão de começar a explicar o que fizeram.

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publicado às 12:35

Erros passados

por Luís Naves, em 15.07.25

O mundo está perigoso, com o crescendo dos tambores que anunciam tragédias militares, os líderes a dizerem que será inevitável um conflito mundial nos próximos quatro anos, sem que ninguém explique como se evita o holocausto nuclear. É conversa a sério ou estamos perante o grande teatro da política? Os europeus têm de gastar mais dinheiro em armas (eles falam em investimento) e precisam de um perigo para convencer os eleitores, já desconfiados de tal estratégia de guerra. Portugal vai fingindo: gasta 4 mil milhões de euros em defesa e teria de subir a parada para 15 mil milhões, talvez atinja metade. Isto não é para os fracos. A Alemanha, Polónia e França estão a rearmar-se em larga escala, sendo nítida a retórica bélica. Há também notícias sobre uma vasta corrida aos armamentos na Ásia, enquanto a guerra da Ucrânia mostra que as novas táticas de combate são brutais e dispendiosas em vidas de soldados. Não vale a pena ter ilusões: a guerra de 14-18 também parecia impossível, mas os impérios europeus suicidaram-se na mesma. Após duas décadas de paz intermitente, sem nenhuma lição assimilada, o mundo caiu de novo no abismo. No essencial, estamos a repetir erros do passado.

publicado às 18:39

A Humanidade é melhor do que isto

por Luís Naves, em 20.06.25

É possível que este seja um momento inicial de uma catástrofe da nossa civilização. Aquilo que vemos diariamente dificilmente integra os nossos valores, entre os mais importantes a liberdade, a justiça, a compaixão. Pelo contrário, os militaristas que se dizem representantes do ocidente parecem exercer o exato inverso de tudo isto, a pura maldade, a opressão e a vingança. Não sei o que nos trouxe aqui, mas a distopia em construção tem desigualdades sem limites e um espírito violento que lembra os relatos das guerras de religião do século XVII na Europa, onde a desumanização do outro permitia todos os excessos. As bolhas de privilégio das elites contemporâneas anunciam revoluções imprevisíveis, também já passámos pelas consequências da divisão da humanidade em sub-raças que podiam ser exterminadas ou pelo desemprego em massa das sucessivas vagas de industrialização. Estamos a rever estes processos, mas em escalas cada vez maiores. Parece insustentável e talvez seja. A humanidade é melhor do que isto, mas no passado só vivemos uma transformação de cada vez, agora está tudo a acontecer em simultâneo.

publicado às 11:34

Estados de conflito

por Luís Naves, em 18.06.25

As pessoas querem paz, mas são manipuladas para aceitarem estados de conflito que levam a terríveis tragédias. Os cidadãos não ambicionam apenas viver em sociedades pacíficas, mas desejam que haja equilíbrio e justiça, que sejam mantidos os sistemas de proteção social, o acesso à cultura e a qualidade de vida. A política está a falhar nas vontades básicas da população. Os eleitos não cumprem promessas, vencem eleições com dinheiro das oligarquias e ficam presos a dependências inconfessáveis. Geralmente não sabemos se uma decisão foi tomada em nome de interesses ocultos ou se pretendia o bem geral. A democracia começa a ruir quando a vontade dos eleitores deixa de contar, transformando-se numa teia de traições: este é o terreno fértil da mentira, da corrupção e do medo. A fraqueza resulta da mediatização em excesso e da erosão das instituições, leva ao cinismo e à paralisia. Para se manter, um poder fraco exerce enormes doses de manipulação, exibe uma força que não tem, entra em guerras de alto risco. As sociedades dissolvem-se em agressão e as pessoas deixam de ter qualquer valor, são peões, são dispensáveis.

publicado às 19:54

Preguiça

por Luís Naves, em 15.06.25

Dia de incrível preguiça. Não apetece escrever, não apetece pensar. Não há explicação: é como se entrasse em férias e tivesse necessidade de desligar das tarefas do trabalho e recarregar as baterias. Os seres humanos não são viaturas elétricas, não há nenhum dispositivo no cérebro que se possa desligar durante um tempo. Nunca gostei da preguiça, mas talvez seja verdade que precisamos de parar por vezes, para refazermos a perspetiva do mundo. Nem sequer consigo ler, cheio de sono, no calor extremo. Escrever todos os dias parece mais fácil do que é. O corpo entra em rebelião e a cabeça não obedece, parece que se esvazia a alma, à maneira de alguém que abre as veias. Se for para repensar tudo o que faço, talvez mereça a pena travar o movimento. Tenho demasiada preocupação com a produtividade, tantas palavras por dia, o que é sem dúvida uma tolice. Melhor é pensar em fazer apenas o possível e dentro das minhas limitações, pois a maior parte da literatura foi produzida por criaturas mortais como eu, que andavam meio perdidas e cheias de dúvidas, a pensar constantemente se valia a pena o esforço.

publicado às 09:41

Os diários

por Luís Naves, em 10.06.25

Pequena reflexão sobre a escrita de diários: em primeiro lugar, este género de texto serve sobretudo os interesses de um único leitor, o próprio autor, que pode conferir aquilo que escreveu antes sobre um certo tema ou sobre um período da sua vida. As intimidades são inúteis. As memórias embaraçosas não têm aqui lugar. Remoer ideias não serve para nada. Publicar um diário teria apenas interesse se houvesse poucos leitores, se o autor dissesse alguma coisa de especial, se fosse um bom testemunho da época. Um diário com muitos leitores tem o interesse de uma vida excecional ou dos mexericos, sendo que estes envelhecem mal. Opiniões literárias sobre escritores esquecidos? Qual o interesse? Conta-Corrente (que é um dos modelos do Fragmentário), tem muitas destas coisas e uma extensão excessiva. Vergílio Ferreira podia ter cortado "as farófias", as picadelas do meio literário e as historietas íntimas difíceis de entender. Ao Diário de Torga falta a observação da época (talvez não pudesse publicar o que pensava). Enfim, editar e cortar este diário parece desnecessário. Escrevo para mim e já só leio uma em cada três entradas. O resto é palha até para o autor.

Publico neste blog um quinto daquilo que escrevo diariamente.

publicado às 11:35

Brincadeira de gatos cósmicos

por Luís Naves, em 21.07.23

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A ascensão da China e a queda do Muro de Berlim foram os grandes acontecimentos desta época. No ano da morte de Mao Zedong, 1976, poucos podiam adivinhar as mudanças a que assistimos. Vivemos quase 50 anos de ordem mundial de triunfo do liberalismo económico baseado no dólar e na exuberância financeira. A América tinha a hegemonia indiscutível, a Rússia era uma potência humilhada, a China executava uma ascensão discreta e a Europa lançava um projecto federal sem apoio popular. Em 2008, houve uma crise financeira a expor a fragilidade deste sistema. Começou tudo a correr mal: efeitos das alterações climáticas, migrações, populismo, pandemia e uma guerra diferente das anteriores, com tecnologia moderna e alta violência dos dois lados.
O próximo ciclo de meio século será provavelmente de equilíbrio entre potências. De um lado, o bloco de países ocidentais, com sistema capitalista e regime liberal; do outro, países ambiciosos e humilhados no passado, alguns com grandes proporções de jovens, que juntam capital, gente, minerais, indústrias e comida. A segunda aliança é ainda pouco clara, mas pode ser liderada pela China e conter Rússia, Irão, um conjunto do Médio Oriente, Indonésia, partes de África, talvez a América do Sul, talvez a Índia.
Nos próximos 50 anos, o mundo estará em renovação tecnológica acelerada (inteligência artificial, bioengenharia, computadores quânticos, fusão, corrida espacial). A globalização atingiu o pico e os países readquirem as suas indústrias em nome da soberania. Veremos corridas aos armamentos. As guerras serão indirectas, mas haverá poucas operações militares desiguais, fica o modelo da Ucrânia de conflito violento, entre exércitos equiparáveis. A crise climática vai agravar-se, as migrações podem engrossar. Teremos pensamento mágico, nacionalismo e fragmentação social, um pouco de tudo e mais incerteza. Assim parece desfiar-se o novelo do tempo com que os gatos cósmicos brincam.

imagem, IA, Night Café, SDXL 0.9

publicado às 19:20

O mundo em 2075

por Luís Naves, em 19.07.23

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A empresa Goldman Sachs fez umas projecções sobre a economia mundial até 2075 e pode dizer-se que o panorama não é animador para os países ocidentais. Admitindo que os alinhamentos políticos se mantêm, o G7 será um grupo sem significado em 2075. A aliança dos BRICS terá um PIB real a rondar 125 biliões de dólares, enquanto o G7 pouco passará dos 82 biliões de dólares (não entram nas contas Canadá, Itália e África do Sul, por não estarem entre os 15 maiores do mundo). As sete maiores economias terão apenas um país que pertence ao actual G7, os EUA, com medalha de bronze.

A União Europeia tenderá a desaparecer: a Alemanha tem hoje a quarta maior economia do mundo; em 2075, terá a nona maior. A França passa do sétimo lugar para o décimo quinto. Segundo estes dados, a China lidera a partir de meados da década de 30 e a Índia na de 80.

Isto são projecções. O destino das nações não é uma ciência exacta, tudo pode ser diferente, mas julgo que assistimos já a esta erosão da supremacia ocidental. O produto interno é apenas um indicador e não nos diz tudo sobre o verdadeiro desenvolvimento dos países ou o grau de felicidade e segurança das populações.

Se admitirmos estes números e olharmos com distanciamento para a História, percebemos melhor que o declínio ocidental é recente. Os impérios europeus de 1914 controlavam o mundo, tinham o domínio absoluto sobre populações mais numerosas, sobre os recursos de todos os continentes, criavam as inovações e a cultura, tomavam as decisões essenciais e prosperavam sem dificuldade.

Aquele sistema podia ter sobrevivido séculos. A sua fragilidade vinha das lideranças medíocres que levaram esses impérios a uma guerra insensata, onde todos perderam. A Europa nunca recuperou dos extremismos, das divisões e dos conflitos. Duas vezes devastada, reergueu-se num estado de velhice sem sabedoria.

Nas rivalidades contemporâneas surgem as potências emergentes que no passado o Ocidente humilhou. China e Índia serão dois colossos económicos no próximo meio século, talvez em rota de colisão, talvez numa aproximação hoje improvável. Podemos ver outras alianças em formação: América do Sul, por exemplo; ou uma cooperação entre Egipto, Arábia Saudita, Turquia, Irão e Etiópia; ainda a hipótese que junta China, Rússia e Indonésia.

Só não vemos as outras possibilidades por falta de imaginação. Ninguém em 1914 podia conceber que, 47 anos depois, haveria um soviético em órbita do planeta (um quê???), e 55 anos depois, americanos a caminhar na Lua.

imagem, IA, Night Café SDXL 0.9

publicado às 19:08

Ruínas ocidentais

por Luís Naves, em 15.07.23

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Lemos sobre alimentação, ambiente, guerra, geopolítica ou finanças e percebemos que esta ordem mundial vive uma actualidade insustentável. É curioso que num país periférico como Portugal tenham sido publicados vários romances sobre catástrofes. Existem excepções, claro, mas geralmente publicavam-se livros sobre personagens em ruínas, agora temos o colapso da própria civilização. Não sei se este fenómeno revela a capacidade premonitória dos escritores (que podem observar a matéria escura da humanidade), ou se é sintoma da dissolução da sociedade ocidental.

Talvez algumas pessoas consigam pressentir antes das restantes as ondas sísmicas que se aproximam. O nível de consumo e as dívidas, a ganância de uma minoria que acumulou riquezas incalculáveis, a corrida aos armamentos e a rivalidade entre potências, a luta pelos recursos cada vez mais escassos, as migrações e colapso de ecossistemas, a devastação da guerra europeia. As máquinas do impensável continuam a acelerar a caminho da tragédia, isto não é sentido da derrota, mas incapacidade de intervir.

O que para mim é evidente apenas provoca nos meus semelhantes um encolher de ombros. Falar nestas coisas tornou-se inútil, há quem se ria do meu pessimismo. Não é possível mudar a política que nos leva ao abismo, nem influenciar a opinião, as pessoas começaram a detestar os factos, já nem parecem capazes de os perceber, quanto mais de os aceitar. As indignações são geralmente falsas e escondem interesses, servem como distracção do essencial. Aliás, estamos rodeados de ilusionismo. O mundo caminha para um naufrágio, mas empurrado por esses falsos indignados ou pretensos oprimidos.

Os meios de comunicação tornaram-se irrelevantes, o mesmo se pode dizer da própria arte, cuja banalização anestesia os sentidos. Somos de facto sonâmbulos. Os países ricos ficavam com tudo e agora não querem partilhar nada. O resto do mundo não se conforma e contesta abertamente um sistema que considera injusto. Os conflitos são inevitáveis e, um dia, serão descontrolados. Alguma literatura tenta resistir, suponho, tenta a legibilidade em vez da retórica, procura ambientes, evita o estilo pomposo e foca-se nas ideias, no ritmo e nas personagens, procurando a forma mais simples, sem digressões ou postalinhos. Antes era a densidade da linguagem, agora é o estilo transparente.

Entre os mais lúcidos, há um sentido de urgência, uma antecipação das desgraças. Todos se querem fazer ouvir, acham que têm coisas importantes para dizer, mas há um problema de escala na realidade contemporânea. São muitos, muitos, os que desejam falar. Uma cacofonia, uma multidão a conversar na sala, e só é escutado quem falar mais alto, e quando a escala aumenta, só se ouvem os que gritam. As zonas de silêncio são solitárias. As pessoas de qualidade calam-se.

Seja perdoado o tom caótico deste texto, mas que interessa? Os raros leitores percebem.

imagem: IA, Night Café, SDLX 0.9

publicado às 11:25

Um mistério do tempo

por Luís Naves, em 13.06.23

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Na literatura portuguesa existe um preconceito contra o conto curto e nas redes sociais a imaginação não é muito compreendida. Os livros de contos tornaram-se raros, mesmo os de autores estrangeiros. Os editores, na realidade, já nem sequer querem romances, pedem outro tipo de livro. Querem biografias, ensaios ou crónicas. Neste último grupo, procuram aquilo que não tenha fantasia associada, ou seja, crónica jornalística, em que os factos são sempre o mais importante e o escritor não deve efabular. Nos jornais e revistas literárias, domina o ensaio e a crítica. Ao contrário do que vemos em outros países, a literatura nacional nunca foi adepta do conto curto, embora Camilo Castelo Branco ou Miguel Torga tenham sido contistas exemplares. Há outros autores fortes no conto, como Aquilino, Sena, Cardoso Pires, Régio, Lídia Jorge ou Mário de Carvalho, mas não existe a abundância que vemos em outras literaturas, basta citar a brasileira. A escassa tradição que existia em Portugal está a perder-se definitivamente, talvez por desistência. O conto é uma boa forma de conquistar leitores e torna mais fácil seleccionar os escritores preferidos. Devia ser um formato popular, pois as pessoas dizem que não têm tempo para ler, mas quem não tem dez minutos disponíveis para ler um conto de dez páginas? Um romance médio, pelo contrário, leva pelo menos quatro ou cinco horas. Como explicar o preconceito? Será que os leitores não gostam e não compram? Não tenho explicação, apenas sei que  nos privamos de uma parte eficaz da literatura e trocamos isso por romances esticados ao máximo, que por isso se tornam monótonos e chatos. Fazer render o peixe é coisa de pobres.

publicado às 16:51


Autores

João Villalobos e Luís Naves