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Pedaços do mundo e grãos de areia
Quando a estupidez se banaliza, deixa de parecer estúpida, para parecer apenas banal.
Os nossos avós viviam pouco tempo e sonhavam com a sobrevivência da colheita de cada ano, sem pensarem muito no ano seguinte, que pertencia ao longo prazo, e a sua existência era tão precária, que pouca gente se podia dar ao luxo de planear à distância ou de construir algo para as gerações seguintes. E, no entanto, a resignação à realidade era bem mais fácil do que nesta nossa época de ardor e cólera, onde nenhuma ambição é verdadeiramente satisfeita. A cada um de nós foi prometido meio mundo e consentida uma mera fracção. Podemos ver o grande bolo atrás da vitrina, na aparência bastará esticar a mão e será nosso, convenceram-nos de que estará disponível, mas é tudo uma construção ilusória, excepto para uns poucos que nem sequer andam saciados.
A trivialidade de uma vida pode conter em si pequenos ensinamentos, indícios de coisas mais largas e vastas que se encontram ocultas, os padrões escondidos da grande máquina social. A História é um oceano do qual só vemos uma camada superficial que nos parece gigantesca; e os esforços de um simples homem sobre a água nada nos explicam, até compreendermos que ele seja também arrastado pelas forças poderosas das correntes mais fundas e da água mais fria. Enfim, não consigo compreender a fúria desta época nem o rumor e a devastação incessante da mudança.
A crise nacional é mais funda do que parece e exige que na presidência esteja uma personalidade com indiscutível carisma e conhecimento do país. Marcelo Rebelo de Sousa é o único candidato presidencial com capacidade e autonomia para equilibrar o frágil sistema político, agora tornado ainda mais instável pela estratégia de poder do partido que perdeu as eleições. As reformas ainda não acabaram e os compromissos europeus não são algo de vago ou de retórico, mas um elemento central da nossa história dos próximos anos. Se falharmos na Europa, cairemos num patamar de menoridade, por isso estas eleições presidenciais são mais importantes do que tem sido tradicional. Marcelo é o único candidato que garante utilizar todas as ferramentas constitucionais ao seu dispor, mas também é um político reconhecidamente hábil e experiente, o que nos oferece garantias de uso inteligente desses poderes. Portugal precisa de um presidente capaz da moderação e da equidistância, precisa de alguém que dê garantias de confiança e firmeza, de um presidente colocado ao centro, capaz de negociar com as diferentes forças, proporcionando entendimentos entre elas. Portugal precisa de um presidente pragmático que conheça profundamente o sistema político e constitucional. Num período de crise, não se fazem experiências, elege-se alguém com experiência.
Recusei um comentário de alguém que entrou neste espaço a gozar comigo e a exibir a sua incompreensão sobre aquilo que lera. Não tenho nada contra a incompreensão, mas quem não gostar, pode mudar de poiso. É a chamada liberdade, que exercito a escrever estas divagações e que cada um dos leitores deve exercitar também, lendo ou não lendo o que escrevo. Tenho opiniões e entro em polémicas, mas em outros locais; isto aqui é o meu quase-diário, o meu espaço, embora aberto à curiosidade alheia, o que impossibilita assuntos demasiado íntimos. Podem comentar à vontade, mas não aceito bullying.
O episódio do intruso mostra que para alguns cómicos as redes sociais se transformaram num espaço de traulitada, onde as pessoas com algo para dizer são achincalhadas. Não encontro outra explicação, mas deve haver nestes ódios alguma dose de estupidez nacional. Não me preocupa se um tontinho treslê o que escrevo, pois não escrevo para esses leitores, mas preocupa-me que a minha liberdade seja um incómodo para alguém. Preocupa-me que haja anónimos que se entretêm a tentar silenciar quem passa. Preocupam-me os fanatismos de trincheira. Preocupa-me também o crescente mau uso da ironia. Tudo o que é diferente está hoje ameaçado por estes puristas de tasca. Depois, há os beatos do politicamente correcto, que examinam cada texto com a lupa dos grandes inquisidores. Há ainda certos pedantes, que embora julguem saber muito mais que os outros, nunca aceitam réplicas inteligentes.
Enfim, a blogosfera degrada-se, como se degrada a sociedade portuguesa, a convivência, a civilidade, a cultura. Às tantas, as pessoas recuam para espaços restritos ou perdem de todo a paciência, como eu perdi no twitter, de onde fui escorraçado pela imbecilidade de um deputado da república. Como é que se respondia a um imbecil em 180 caracteres, instantaneamente e sem o mandar bardamerda? Não tive talento que chegasse e aquela não era a minha praia.
António Marinho e Pinto dispara em todas as direcções. O seu discurso parece eficaz e, se tiver exposição mediática, o líder do PDR pode baralhar os dados da eleição de Setembro/Outubro. Qualquer projecto político centrado numa pessoa tem limitações, mas o populismo simples da mensagem atrai os descontentes e as sondagens sugerem que há pelo menos um milhão de eleitores indecisos. Imaginemos o seguinte cenário: abstenção elevada baixa o número de votantes para 5,4 milhões; o voto de protesto aumenta, com 450 mil para o PCP, 250 mil para o Bloco, 150 mil para o Livre, o valor habitual de brancos, nulos e outros; se Marinho e Pinto arrancar 300 mil (que estão ao seu alcance sem exposição nas TVs), falamos de milhão e meio de votos, ou quase 28% do eleitorado; sendo assim, socialistas e coligação teriam 72%, ou menos 6 pontos percentuais do que nas eleições anteriores (a três meses das eleições, somam 75% numa sondagem recente).
Neste contexto, se Marinho e Pinto tiver visibilidade e fizer uma campanha a imitar o Cidadãos espanhol, atraindo votos do centro (portanto, moderados descontentes com PSD e PS), o ‘arco da governação‘ pode sofrer uma calamidade eleitoral e ficar abaixo dos 70%, rondando 3,8 milhões de votos, com o ‘vencedor‘ a ter menos de 2 milhões, ou apenas 37%. Teríamos alta instabilidade durante dois anos, um parlamento ensurdecedor, péssimo contexto externo após o Grexit.
Os últimos 45 anos foram de profunda mudança em Portugal: o PIB per capita passou de 6200 euros em 1970 para mais de 16000 no ano passado (a comparação é calculada a preços de 2011), quase triplicando a riqueza média dos portugueses; o sistema de pensões abarca 40% da população, proporção dez vezes superior à de 1970, quando a rede social abarcava cerca de 400 mil pessoas; o analfabetismo, que atingia 31% das mulheres em 1970, praticamente desapareceu; em média, os portugueses de hoje vivem mais 13 anos do que a média da população de 1970. E, no entanto, só se ouve falar no ‘aumento da pobreza‘ e no ‘recuo económico e social’, como se Portugal fosse hoje muito mais pobre, inculto e atrasado. De facto, empobrecemos nos últimos cinco anos, mas a tendência de médio prazo é claramente outra. A esquerda habituou-se de tal forma a este discurso miserabilista, que banaliza o que foi conseguido pelo regime democrático. A direita comete um erro semelhante: repete o mito do empobrecimento, explicando o fenómeno com a pretensa insustentabilidade do Estado Providência, o que a leva a defender políticas impopulares de redução dos gastos sociais.
Conhecia explicações didácticas sobre as distâncias no sistema solar e tinha uma noção dos números, mas este vídeo permite visualizar um conceito que para nós, humanos, tem uma escala demasiado obscura. A viagem a partir do Sol à velocidade da luz permite chegar a uma noção mais profunda da vastidão do espaço. Claro que sabemos teoricamente que até chegar à Terra, a luz precisa de mais de 8 minutos e que até Júpiter leva 43 minutos e até à estrela mais próxima a distância é de quatro anos-luz, mas estes valores deixam a certo ponto de fazer sentido para a nossa experiência, tornam-se estranhos e construímos um mapa mental onde o abismo tem necessariamente de se estreitar e ficar imperfeito. Ao ver esta lenta viagem, fiquei espantado por Mercúrio estar tão distante do Sol e surpreendi-me de novo, pois pensava que Vénus tinha uma órbita mais próxima da Terra. Afinal, o universo é ainda muito maior do que eu pensava; simplesmente, não tive imaginação para perceber a escala desmedida em que tudo se escondia. Talvez seja isto o conhecimento: vamos percebendo que somos cada vez mais minúsculos e não podemos deixar de nos interrogar sobre a banalidade da inteligência. Ao percebermos como existir se parece com um milagre, logo parecem ridículos os conflitos em que os humanos gastam as suas vidas. Neste artigo, por sua vez, menciona-se a possibilidade da galáxia em que vivemos estar repleta de planetas habitáveis: os cientistas falam na hipótese de haver, na Via Láctea, centenas de milhares de milhões de planetas nas zonas habitáveis dos respectivos sistemas solares. Agora imaginem: um número incontável de pequenas ilhas, muitas a abarrotar de vida, mas separadas umas das outras por intransponíveis oceanos da noite.
Os franceses sabem fazer revistas e numa tabacaria comprei um exemplar de Beaux Arts dedicado à banda desenhada. No interior são analisados detalhes de dez obras-primas, começando em O Lotus Azul, uma aventura de Tintim, por Hergé. Os diferentes artigos descrevem as técnicas usadas e detalhes do desenho, pormenorizam personagens no devido contexto histórico, além de haver informação sobre a pesquisa que os autores fizeram e que seria difícil na sua época. A revista inclui histórias completas que serviram de ensaio e discorre sobre algumas curiosidades. De Blake e Mortimer (o meu favorito) é escolhido O Segredo da Grande Pirâmide e julgo que se trata mesmo da obra-prima de Edgar Pierre Jacobs. Corto Maltese e Blueberry são heróis também citados, além de um trabalho de Bilal, entre outros que desconhecia, nomeadamente exemplos americanos. A banda desenhada esteve sempre muito presente na minha infância e juventude, mas os heróis da Marvel passaram-me ao lado. Lembro-me de várias obras franco-belgas, inglesas e espanholas que me impressionaram e que nunca mais vi publicadas, talvez pela circunstância desta arte ter entrado num período de declínio. Estive à procura destes dois textos antigos. O gosto das pessoas também se alterou e os jovens de hoje preferem o estilo americano e as mangas japonesas, com histórias porventura mais infantis. A revista não dá muitas pistas sobre os motivos desta mudança, mas talvez se trate de um daqueles momentos de decadência que se acentuam por não haver uma verdadeira novidade. Hergé e Jacobs continuam insuperáveis. Espero que um dia surja um sucessor à altura: a banda desenhada é uma arte demasiado interessante para desaparecer.
A série dinamarquesa Borgen faz uma das melhores abordagens sobre a política que já vi em ficção. Os actores são óptimos, a escrita é perfeita, o ritmo, a música, enfim, todos os aspectos técnicos funcionam. Ao contrário do que sucede em séries americanas que abordam política ou jornalismo, aqui não há situações exageradas nem maniqueísmo nas personagens. O que mais atrai é a forma exacta como é exposta a realidade da democracia parlamentar, nomeadamente a necessidade de negociar, o carácter inesperado das crises, a inevitabilidade das concessões, o poder dos interesses especiais, a linha fina que separa lealdade e traição, a condensação do tempo, a não repetição das oportunidades ou ainda a crueldade de certas decisões, como deixar cair alguém de quem se gosta, enfim, o carácter solitário da política que, paradoxalmente, não pode ser praticada sem convencer muita gente através da palavra.
A história mostra correctamente a existência de um triângulo entre três vectores inseparáveis: a política, o jornalismo e a comunicação. Nenhum deles vive sem os outros. O spin doctor não é alguém que esconde os factos, mas um protagonista com importância na explicação das decisões (veja-se por exemplo o carácter central da escrita dos discursos). Os jornalistas nem sempre procuram a verdade, muitas vezes têm motivos egoístas ou seguem pistas falsas. Os políticos, tratados pelos autores sem demagogia, vivem no medo de perder tudo por causa de uma trivialidade e nem sempre fazem o que gostariam de fazer. Borgen mostra a força das democracias parlamentares europeias e é uma crítica demolidora às simplificações populistas.