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Sobre a leitura

por Luís Naves, em 23.04.14

No tempo em que me tornei jornalista, no final dos anos 80, não havia internet e era fácil escrever calinadas. Cometi muitos erros por excesso de zelo e por imprudência, demasiados erros por não ouvir os bons conselhos dos mais antigos. Nas redacções havia exemplares da velha guarda, uma casta de jornalistas entretanto desaparecida, que fizera a sua aprendizagem na tarimba. Alguns desses veteranos tinham cultura inesgotável e escreviam como deuses; outros eram simples burocratas ou já tinham desistido; cada geração tem os seus defeitos e a que antecedeu a minha possuía uma elite de alta qualidade, embora pequena. Nesse tempo, o poder político tinha influência nas redacções, era difícil escrever textos da treta, havia cortesia, exigência e respeito. Tudo isto desapareceu, incluindo a influência do poder político.
Os jornais perderam leitores, reduziram custos e fazem agora jornalismo low cost de qualidade duvidosa. Como não há leitores, toda a atenção do poder emigrou para as televisões e, no futuro, também os jornalistas irão emigrar para plataformas online mais baratas. A necessidade de informação da nossa sociedade será devidamente satisfeita por projectos de qualidade que podem proliferar facilmente na internet. Haverá mais títulos, em ecossistemas de grande diversidade, onde haverá atenção aos chamados nichos de mercado.
É um paradoxo que haja menos leitores do que nos anos 80, pois hoje existem mais pessoas alfabetizadas e com qualificações universitárias. Não faz qualquer sentido encontrar textos de opinião com erros factuais e conclusões disparatadas, frequentemente mal escritos, havendo fornadas de potenciais autores disponíveis na academia, na blogosfera ou na cultura.

Também são lamentáveis as lágrimas de crocodilo por ninguém ler em Portugal: não se fala de livros, pois eles não se vendem; e os livros não são comprados, pois não se fala deles. 


Se os leitores são hoje mais cultos do que nos anos 80, qual a razão de haver jornais piores do que os desse tempo? E já agora, livros piores. Os responsáveis costumam justificar as suas escolhas com as audiências, mas esta é uma questão curiosa. Diz o mito que os jornais se limitam a dar aos leitores o que eles querem, ou seja, assuntos efémeros, imbecilidades, sangue, comentadores inócuos. Um colunista de televisão escrevia hoje que os canais portugueses viram aumentar e até duplicar as suas audiências no domingo, ao transmitirem as celebrações do campeonato ganho pelo Benfica. Ora, isto é extremamente bizarro e soa a desculpa de mau pagador, pois todos eles, ao mesmo tempo, deram as celebrações. Não havia mais nada na televisão portuguesa nesse dia, portanto não podiam todos duplicar a audiência transmitindo o mesmo programa. Se só existir pão e circo, as pessoas só comem isso, podem até apanhar uma indigestão de pão e circo, mas não serão mais livres nem estarão mais alimentadas, nem sequer mais satisfeitas.

publicado às 19:26


1 comentário

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De Marco Neves a 29.04.2014 às 11:54

Olá! Por acaso, vendem-se mais livros — e vendem-se mais livros dos bons (e muitos mais dos maus). Há de facto uma enxurrada de coisas más, mas as coisas boas continuam lá, e cada vez mais, se repararmos bem. Se olharmos para o país todo, a leitura tem crescido.

Já quanto aos jornais, não tenho forma de saber. A internet deu-nos acesso a muito bom material, português e não só, e os jornais deixaram de ser essenciais para ler muito e bem.

Se olharmos para os jovens de, digamos, 25/30 anos, entre livros, jornais, blogs, artigos na internet, etc., é bem provável que em média leia muito mais do que o jovem médio dos anos 80 (mais uma vez: olhem para o país todo, não só para Lisboa/Porto).

Parabéns pelo blog!

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Autores

João Villalobos e Luís Naves