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Pedantes e foot-ball

por Luís Naves, em 25.04.14

A forma como as elites nacionais se obstinam em negar a realidade está explicada neste brilhante post de Filipe Nunes Vicente. O autor tem razão: muitos comentadores e políticos exibem um insuportável pedantismo que os transporta para um mundo mítico, repleto de ilusões de esquerda e de utopias falhadas. Por exemplo, tem sido muito repetida a ideia da boa revolução. Portugal, nos anos 70, terá passado pela possibilidade de uma sociedade ideal que ficaria algures entre socialismo e capitalismo e que seria não apenas igualitária, mas mais democrática. Segundo essas leituras da História, a traição aos ‘ideais de Abril’ explica os defeitos do País. A passividade do povo é consequência do sonambulismo revolucionário, cujo espírito hibernou temporariamente em 1975.
Como escreve Nunes Vicente, o País mudou muito nos últimos 40 anos, mas o que as pessoas não querem é regressar ao caos político; elas preferem regressar ao nível de riqueza que tinham antes da crise financeira e da intervenção externa. Do ponto de vista da esquerda, deve ser difícil de aceitar a ausência de exércitos de desempregados e pensionistas a partir montras, mas bastava conhecer um pouco melhor o país real.

 

Apesar de tudo, o pedantismo e a cegueira não explicam todas as formas de delírio. Ontem, procurei ver o noticiário e percebi que as televisões estavam entretidas num único tema interminável: a vitória de um clube de futebol no campeonato nacional. Compreendo que o clube seja popular, mas os três canais deram uma hora de pseudo-informação, com entrevistas imbecis a espontâneos que diziam palavrões em directo. Tentei refugiar-me nos canais de notícias, mas passavam as mesmas imagens. Seis canais com aquilo, durante uma hora. Não admira que as audiências estejam em queda e que as pessoas já não confiem na comunicação social, que é um serviço baseado na credibilidade e, já agora, na diversidade.
Portugal não tem problemas. Estamos a poucas semanas de eleições europeias e não se vislumbra a discussão de um único tema sério. Em todos os países há reformas do Estado Providência, mas entre nós isso é ignorado; a Rússia tenta alterar a ordem internacional e faz chantagem sobre uma Europa que mostra debilidades na área energética, mas o assunto está distante; a integração vai aprofundar-se na zona euro, mas não connosco; a extrema-direita europeia quer restringir a emigração e os populistas alemães defendem o fim do euro, mas tudo parece exótico. Não temos uma pista sobre o que pensam os partidos ou os candidatos. Em Portugal, a única Europa discutida até à exaustão é a Liga Europa.

publicado às 19:34



Autores

João Villalobos e Luís Naves