Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]




País lírico e sentimental

por Luís Naves, em 21.01.22

Portugal é um país lírico e sentimental. Há uma crença algo ingénua no poder da poesia sobre a razão da força da gravidade, há também preferência geral por narrativas que puxem as lágrimas como água de um poço. Vemos isto na política, na literatura, nas redes sociais. Na campanha eleitoral, por exemplo, as discussões superficiais dos candidatos prometem soluções milagrosas e geralmente instantâneas, sem custos para o utilizador. Tudo se vai compor na pátria como que por magia, através de uma ideologia simples e óbvia, nunca aplicada por motivos que não se entendem, mas que devem ser razoáveis. O pensamento mágico do lirismo nacional torna-nos fortes no campo da literatura, onde domina o sentimentalismo da frase bonitinha e arranjadinha como um canteiro de flores. Enquanto leitores de romance, preferimos os temas agradáveis, o narcisismo dos autores, os bons sentimentos progressistas, as personagens exemplares do politicamente correto, as histórias que nunca pisam o risco. Enfim, tudo aquilo que não incomode as nossas pacatas consciências. Nas redes sociais, assistimos de bancada a discussões que nunca vão ao essencial: andam por ali a depenicar a clara do ovo estrelado, a evitar a gema com nojo. Não admira que o nosso povo aprecie futebol, modalidade que não é bem um desporto, mas a gestão contínua das ilusões dos adeptos em campos inclinados. Não estou a criticar. Claro que o lirismo sentimental da nação também tem as suas vantagens, pois entre os altos e baixos da autoestima há aqueles momentos em que a euforia se encontra no topo. O carácter do povo português talvez o torne mais resistente às grandes desilusões que atingem regularmente o resto da humanidade. Quando tocados pela adversidade, nós, entre um poema e um suspiro, encolhemos os ombros e seguimos em frente, a acreditar com toda a força que melhores dias virão.

publicado às 11:47



Autores

João Villalobos e Luís Naves