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Pedaços do mundo e grãos de areia
Uma pessoa da minha idade que em 1950 pensasse um pouco sobre os anos vividos saberia identificar os dez grandes acontecimentos que tinham mudado a civilização e o mundo. O início da guerra, em 1914, era um exemplo óbvio, mas havia outros: a revolução russa, o Tratado de Versalhes, o crash da bolsa em 29, a ascensão de Hitler em 33, o início da II Guerra Mundial na Europa (embora essa fatalidade já estivesse decidida um ano antes, com a ocupação da Áustria). Para completar uma lista justa era necessário incluir Pearl Harbour, a conferência de Ialta, a bomba atómica de Hiroxima e o Holocausto. Enfim, a lista de dez grandes acontecimentos podia ser um pouco alterada, para incluir a gripe espanhola, por exemplo, ou o terror estalinista, mas os acontecimentos citados eram mais ou menos evidentes. Ao analisar os anos vividos, elaborar a mesma pequena lista de dez mudanças parece ser um exercício mais difícil para uma pessoa da minha idade. Não posso incluir o triunfo comunista na China nem o primeiro voo orbital de Iuri Gagarine, mas já era vivo durante a crise dos mísseis de Cuba e no dia em que astronautas americanos chegaram à Lua. Maio de 68 é um mês importante, como é o primeiro choque petrolífero, que começou com o embargo do cartel de exportadores, em Outubro de 73. A revolução iraniana mudou muita coisa, sobretudo no mundo islâmico, que mergulhou numa cruel guerra civil entre xiitas e sunitas, radicalizando-se por sucessivas ondas de fanatismo; a sucessão de Mao Zedong, em 1975, não mudou apenas a China, o que já era imenso. Devemos talvez incluir a explosão de Chernobyl e, sem dúvida, a queda do Muro de Berlim. E não há grande controvérsia em colocar nesta lista os atentados de 11 de Setembro de 2001 e a longa crise financeira iniciada em 2008. Ficou imensa coisa de fora: a Guerra do Vietname, a cimeira entre Nixon e Mao, Watergate, Reagan, a perestroika, as guerras do Golfo, o euro, a crise migratória. Muitos dos meus contemporâneos fariam uma escolha diferente, mas o ponto é o seguinte: vivemos num tempo acelerado, em que é bastante fácil identificar, em cada cinco anos, um grande sismo político de dimensão mundial. A distância torna mais evidente cada escolha, ou seja, provavelmente já estamos a viver um evento de transformação global, mas cuja importância ainda não é clara. Ou não tardará um grande acontecimento, com efeitos imediatos de tal forma vastos, que não teremos qualquer dúvida: este tem de estar na lista.