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O fracasso das grelhas de análise

por Luís Naves, em 27.10.22

Muitos dos comentadores mediáticos têm dificuldade em ver as várias componentes simultâneas dos problemas que nos afligem, por isso para eles as coisas não são demasiado alarmantes. No entanto, esta crise será mais séria do que as anteriores, pois estão a acontecer vários fenómenos ao mesmo tempo, valendo o lugar-comum da tempestade perfeita. Não admira que as grelhas de análise fracassem. Hoje, falava-se das taxas de juro e o analista só percebia a questão das hipotecas; não conseguiu mencionar os efeitos na economia, na produção e no emprego, nem referiu a escassa probabilidade de isto ficar por aqui. No mesmo noticiário, havia notícias que permitiam perceber a floresta: menos consumo, recessão à vista, a ameaça de uma crise de dívida, a inflação elevada, o problema da energia. As famílias enfrentam contas de eletricidade proibitivas, subidas abruptas da renda de casa, cabaz de mercearia mais caro, instabilidade do emprego, mas o tipo só via as rendas. O mesmo para a Ucrânia, onde os analistas não conseguem explicar o motivo de ser melhor uma ameaça de guerra nuclear do que um processo de paz. O conflito está a provocar um choque energético na Europa, a alimentar a inflação mundial e a tornar o planeta um sítio ainda mais perigoso. Na rádio, um jornalista experiente ria-se de um comunicado da embaixada russa, segundo o qual as empresas de armamento estavam a testar armas na Ucrânia. “Onde é que já ouvimos isto?”, ironizava, sem rebater a afirmação. O facto é que estão todos a testar armamento, incluindo os russos, com alguns dos sistemas vendidos como pãezinhos quentes. Neste conflito, as regras do capitalismo foram postas em causa e os países ocidentais continuam a usar mecanismos condenados, como é o caso do cartel de compradores a limitar o preço de compra (o vendedor não vende, claro). Tudo para inglês ver. Os líderes dizem “é preciso que a Rússia perca”, mas não podem acreditar naquilo que dizem, pois isso inclui o risco de guerra nuclear onde todos perdiam. A hipocrisia atinge níveis absurdos: basta citar o caso da Bélgica, que continua a comprar diamantes à Rússia, enquanto parte da população da Europa regressa ao aquecimento por lenha por causa das sanções. Entretanto, a Ucrânia está devastada, bombardeada e praticamente às escuras, mas os senhores do castelo continuam a enumerar as brilhantes vitórias do exército ucraniano e ninguém menciona as baixas elevadas. O negócio, naturalmente, está na reconstrução daquilo que sobrar.

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publicado às 13:38



Autores

João Villalobos e Luís Naves