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Pedaços do mundo e grãos de areia

O homem cavalgava para oeste, mas não lhe restava tempo, as provisões estavam no fio. O sol impassível queimava-lhe a alma. O cavalo era magro e nervoso. A poeira agarrava-se aos ossos, cobria tudo com uma mortalha sufocante. A terra seca, a planície agreste transformada em corpo sedento, a tempestade a correr na sua direção, com o fragor de uma carga de cavalaria. Mesetas misteriosas recortadas no horizonte, pedra vermelha, antiga. Moitas cobriam o chão, o vago cheiro arrastado pelo vento amargo. Iúcas resistiam ao calor, cactos erguiam-se teimosos.
A sombra de uma cascavel assobiou, demasiado depressa, como se a rocha fervesse. O cavalo desviou-se, assustado, depois controlou o movimento. O homem nem teve tempo para levar a mão ao revólver, o perigo escondera-se. O céu tinha camadas de azul profundo, mas azuis mais claros estendiam-se no horizonte pálido, do lado de onde ele vinha. À direita, nuvens finas, altas. A aproximar-se, a barrar-lhe o caminho, a tempestade que engrossava: a massa escura de nuvens semelhante a um monstro ameaçador.
Chegou ao riacho, embelezado com flores silvestres. Amarelas, roxas. O cheiro era doce.
O cavaleiro esperou um pouco antes de deixar o cavalo beber, para arrefecer o corpo do animal. Ele próprio salpicou o rosto na água, estava cansado, preocupado com a escassez de tempo. Esperou um pouco, olhou de novo para a tempestade, teria de atravessar o curso de água antes que os céus desabassem. Teria dez minutos, vinte, no máximo.
Um abutre desenhava vagarosos círculos por cima dele, tinha-o acompanhado durante muitas horas, mas agora desistia, afastando-se da escuridão que vinha do oeste.
Enquanto o cavalo bebia, começou a chover. A princípio, apenas um pouco, depois intensamente. Era urgente passar para o outro lado. O rio perdera a calma, em minutos já levava lama espessa e arrastava ramos partidos, raízes. As margens tinham amolecido, uma estranha raiva fendia a terra. Decidiu passar naquela derradeira oportunidade, mas o cavalo hesitou. A água escurecera, o homem insistiu. O cavalo entrou devagar no rio e a corrente atingiu-o com força. Difícil encontrar a firmeza. O animal oscilou, a perder o pé, a água ao nível da sela. Por um momento, inclinaram-se ambos, os cascos desesperados, à procura do fundo.
A enxurrada ganhava ímpeto e corria mais depressa, mil ondas misturadas, juntando-se umas às outras, voltando a separar-se, turbilhões, espuma, o rugido crescente da água. Apesar disso, avançaram, numa luta com a inundação. Os músculos do cavalo triunfaram e os dois subiram a outra margem: a terra era um lamaçal, ventania, cortina de chuva, relâmpagos. Protegeram-se da fúria do céu, encostados na reentrância de uma fraga. Depois, regressou o sol, outra vez o calor abafado. O cavaleiro olhou para trás, para o rio, e a corrente aumentara dez vezes e seria impossível entrar no riacho. Se não tivesse atravessado, ficaria na outra margem, a esperar dois ou três dias. Morreria de inanição, mas agora tinha hipótese de sobreviver. Mais confiante, observou longamente a terra vazia que lhe faltava percorrer.
Cavalgou outros dois dias e as magras provisões acabaram. O pó quente soprava pela ténue vereda que os cascos do seu cavalo cortavam no terreno ainda enlameado. Ao fim da tarde do segundo dia avistou a cidade, ou o que restava dela. O último obstáculo.
Na proximidade das casas, o animal hesitou, como se pressentisse o murmúrio de espíritos. A rua principal abandonada: tábuas soltas, portas a balançar, vidros partidos, não havia exatamente silêncio, mas a inquietante falta de barulho humano. No interior das habitações, a devastação, objetos tombados, papéis, lixo, o alpendre onde uma cadeira ainda era embalada pela brisa. Estranhos e tristes restos. O que podia ter sido um hospital, o que podia ter sido uma escola, ali o que podia ter sido um grande armazém. Edifícios esventrados, as janelas iguais a olhos arrancados, as paredes queimadas, sem tetos, vigas tortas, apontadas ao céu, iguais a dedos calcinados.
O cavaleiro desmontou a atravessou a pé a rua principal, enquanto acalmava o animal com palavras suaves, sussurradas ao ouvido. Alguém o observava? Era possível, mas já passara antes por outras cidades destruídas e nunca encontrara alguém vivo, apenas sentira a ansiedade daquelas travessias. Por toda a parte, os esqueletos ressequidos das vítimas surpreendidas no momento da morte, dentro das suas viaturas, das quais restavam chapas enferrujadas, ou dentro das suas casas, das quais restavam apenas ruínas.
As sombras cresciam e o cavaleiro pensou que nunca mais acabava a rua principal da cidade morta, a mão sobre o revólver, a pensar que só lhe restavam duas munições. Nada se moveu, nenhum fantasma se atreveu a mexer com a vida, mas sentiu que mil olhares caíam sobre ele. Demorou uma pequena eternidade a chegar ao fundo da rua principal. Tinha de passar ali, era o atalho mais rápido. Arriscado, mas necessário.
Só depois das casas, quando entrou outra vez no deserto, sentiu o alívio e a esperança. Montou o cavalo e seguiu para o seu destino, já muito perto do vale isolado onde um pequeno grupo de trinta sobreviventes escapara ao holocausto nuclear. Tinha passado muito tempo desde a catástrofe, pensou. Quanto? Dez anos, era isso, já tinham passado dez anos.
imagem gerada por IA, Night Café