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Pedaços do mundo e grãos de areia
Tenho nostalgia das vidas que podia ter vivido. Tenho saudades do que nunca vivi, botânico ou pintor, operário, empregado de balcão. Deixei livros a meio, deixei essas minhas vidas possíveis sempre a meio. Sonhei com fantasias e nunca terminei mil artigos de jornal. Podia ter sido muita coisa e fui de tudo um pouco. Nunca me interessaram as flores ou as máquinas, mas agora sinto o vazio do que não soube apreciar. Houve acasos em número interminável (e já nem os recordo a todos exactamente) que me levaram em direcções opostas às que podiam ter sido e lembro-me muitas vezes das existências que não experimentei. Por vezes, passo junto a uma casa e penso como seria viver ali, ocupar aquele espaço, transformar aqueles quartos, olhar pelas janelas de outra forma. Por vezes, converso com uma pessoa que sabe qualquer coisa e penso em como gostaria de saber tudo aquilo que ela sabe: se o desejasse, também seria músico, cirurgião, agricultor, vagabundo. Na imaginação, posso ser quem eu quiser, do tempo que me apetecer. Assim, fui de cada época, assisti a revoluções e colapsos, como fazem os simples viajantes no tempo, tentando não pisar borboletas. Desejei tudo o que não tive, viajei por todos os sítios onde não estive. Cada pessoa contém dentro de si uma multidão e por isso sou tudo aquilo que nunca fui.