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Pedaços do mundo e grãos de areia
Num dos primeiros grandes filmes da nouvelle vague francesa, Les 400 Coups, dois rapazes roubam uma fotografia da actriz sueca Harriet Andersson, num cinema onde passa o filme de Ingmar Bergman Monica e o Desejo. A película de François Truffaut, de 1959, em português Os 400 Golpes, contava a história de um adolescente e da sua busca da liberdade, mas a narrativa semi-autobiográfica usava uma nova maneira de abordar as personagens, sem lhes atribuir motivações evidentes, ao contrário da norma nas produções de Hollywood. Em resumo, a nouvelle vague utilizava um realismo próximo da vida, onde a acção era menos previsível e a complexidade das personagens mais elaborada. A arte continuava a enganar os sentidos, mas de maneira subtil. Podemos tentar explicar o motivo do furto da fotografia, homenagem ao mestre sueco, a um filme brilhante, a uma actriz devastadoramente bela, piscar de olho ao cinema europeu, anúncio de ruptura estética, o que quisermos, pouco importa, é um roubo justificado. Truffaut consegue um pequeno momento transcendente e a ligação com todos os rapazes que também um dia sonharam em roubar a fotografia de Mónica e o Desejo. Foi esta magia que se perdeu no cinema contemporâneo. Agora, não há segredos nem minúsculas preciosidades praticamente ocultas, que cabe a cada um de nós encontrar e decifrar; não há poesia, apenas citação.