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Pedaços do mundo e grãos de areia
A escrita é cada vez mais uma acumulação lenta de elementos imaginários, que o autor procura juntar o melhor que pode. Vem tudo da errância de ideias e da constante contaminação da realidade. Na vida contemporânea, já não conseguimos distinguir bem o que é ficção e o que aconteceu de facto. Um dia, talvez não seja possível separar a verdade das histórias mal contadas. Por exemplo, certos bandidos começaram a usar inteligência artificial para enviar a vítimas de extorsão gravações com as vozes falsificadas de seus familiares supostamente raptados. Quem não reagirá em pânico a um pedido de auxílio de um ente querido? Quem pode ter dúvidas sobre a autenticidade da voz manipulada? A imaginação humana é muito vulnerável a mentiras. O crime baseia-se talvez numa ilusão da nossa memória: a voz que se ouve parece perfeita e toda a gente já experimentou raptos de ficção no cinema, por isso torna-se fácil acreditar nesta fraude tão autêntica. Estamos a viver na era da manipulação e da incerteza da realidade, floresce a matéria-prima do engano, a permanente reinvenção do mundo, a reconstrução da memória, ou melhor, a reconstrução do esquecimento.