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Clima tóxico

por Luís Naves, em 13.07.18

Escrevi um pequeno texto para o Delito, com uma análise sobre os EUA que até me parecia catita, e apareceram logo os comentários ferozes, com gente espantada por ler algo que divergia das opiniões gerais sobre o assunto. Portugal está a ficar com um clima tóxico, onde só são permitidas determinadas visões do mundo. Começam a surgir com frequência os artigos que defendem a existência de uma meritocracia e, para seu desgosto, um eleitorado populista mal informado que, levando a lógica até ao fim, nem deveria ter direito a voto (a República Velha defendia a mesma tese e protegeu o regime do voto de centenas de milhares de eleitores analfabetos, sendo que a ideia ressuscitou logo a seguir ao 25 de Abril, quando muitos comunistas defenderam as assembleias populares). Nestes nossos dias cinzentos, há um cinismo manhoso e provinciano a tomar conta das pessoas que se instalaram nos poleiros intelectuais. Com o desastre à porta, começam a desenhar-se as lamurias que vão servir para tirar o cavalinho da chuva, ilibar os responsáveis e continuar com a vil tristeza que nos afunda. Por tudo isto, começo a ficar sinceramente farto da perda de tempo de escrevinhar umas opiniões avulsas, boas ou más, que extraio sobretudo da minha reflexão, e pouco me importa esta quase desistência, pois há muito que o país desistiu de tanta coisa. Já poucos distinguem uma opinião trivial de outra diferente, um bom romance de um mau, uma interpretação musical culta de outra fora do estilo, e ainda menos se preocupam com isso. O respeito pela tradição, que é um dos pilares da arte, está definitivamente perdido a favor da colagem, da imitação e do gosto das sensações frívolas. A política, aliás, não é mais do que um espelho particularmente cruel destas tendências.

publicado às 19:50



Autores

João Villalobos e Luís Naves