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Pedaços do mundo e grãos de areia
Vários dias sem tocar no romance e ando nervoso. O livro avança a bom ritmo, não me interessa se cumpre os requisitos teóricos. Aliás, a teoria não me interessa. O estilo, o conceito, a carpintaria (como se diz), se está na moda ou o que vão pensar os leitores, nada disso me interessa. O destino mais certo do Homem Morto é ficar na gaveta, por isso, o que fizer é o que deve ser. A única preocupação é que aquilo mexa, que o leitor de repente consiga imaginar uma coisa em movimento, abstraindo-se de mim, ignorando a minha presença: não posso ser mais do que um árbitro quase invisível. As editoras não querem ficção, desistiram de contar histórias, dizem que as pessoas estão contentes na Netflix, onde se encharcam de imaginário. As livrarias andam cheias de livros para o Natal, clássicos e não-ficção, uns raros romances contemporâneos de nomes sonantes; o livro é um presente popular (compram-se os nomes conhecidos, mas ninguém os lê) e os escritores populares são aqueles que vendem; os que vendem são os que dão entrevistas na TV, onde nos programas culturais circulam sempre as mesmas figuras, que falam sobre uma data de coisas fáceis de esquecer, em frases floreadas, de preferência sobre tudo o que não seja literatura. Ninguém quer saber aquilo que o escritor pensa sobre o seu ofício, os temas culturais são propriedade da esquerda; nunca há escândalos, a não ser quando o artista X diz mal do artista Y, com sarcasmos e bisbilhotices, mas isso é para cómicos ou jornalistas e esses não são para levar a sério; no mundo sério, pelo menos em público, ninguém diz mal, está tudo desinfetado.