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Nos textos de opinião escorrem elogios ao poder, de súbito desapareceram os incompetentes e tudo corre às mil maravilhas. As crises são lá fora, em países onde se passam horrores (nem queremos falar disso, de tão horrível). Por aqui, deixou de haver desempregados, ninguém os menciona, terão todos arranjado emprego, como regressaram muitos dos 500 mil que tinham emigrado, pois agora só se fala em 250 mil. A nossa crise acabou, há retoma tímida, é oficial, no que concordam jornalistas e intelectuais que muito justamente nos convenceram de que não houve bancarrota, mas apenas uma calamidade inútil, imposta de fora, receita de engenharia social aplicada pelo governo da troika, que professava certa cartilha ideológica. Sim, a crise acabou e não regressa, é um facto, podemos ignorar os poderes não-eleitos de Bruxelas, começar a rasgar os Tratados e aprovar moções parlamentares exigindo à Comissão que não aplique medidas previstas em textos ratificados pela mesma assembleia que assim vota contra si própria. Como em muitos outros tempos de negação, o mal vem de fora, eles não nos compreendem, os burocratas, as agências de rating e os estupores dos mercados. Tudo começa a fazer sentido: vamos receber milhares de refugiados sírios (eles não querem vir, não ficam e ainda não chegaram) mas protestamos contra a invasão de turistas que nos incomodam nos passeios, com o seu trote encantado e bolsas recheadas, e que nos interrompem o conforto, fazendo aumentar as rendas na cidade. Nos jornais, há muitas crónicas de como isto se tornou outra vez respirável, já não há notícias negativas, conflitos ou problemas. A geringonça é como os tuk-tuk, vai aos solavancos e tornou-se parte da paisagem. Deixou de existir fome ou choro nos aeroportos, entrámos no tempo da esperança e da utopia, não precisamos da Europa, deslizamos vagamente num sono hipnótico.

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publicado às 10:49



Autores

João Villalobos e Luís Naves