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A vida no exílio

por Luís Naves, em 27.01.15

As pessoas tendem a esquecer a própria mortalidade e a espécie humana tende a esquecer que pode extinguir-se um dia. Mas divago. Estava a ler esta história de Kelemen Mikes, um nobre transilvano que acompanhou no exílio turco o infeliz herói e rei húngaro Ferenc II Rakoczy. A causa dos rebeldes kuruc está esquecida e a guerra da independência (1703-1711) fracassou de forma grandiosa. Mikes foi ele próprio esquecido no exílio, onde morreu vítima de uma epidemia, em 1761, mas já muito idoso, a escrever estas cartas para uma tia inexistente. Era o derradeiro companheiro original do líder exilado. Num dos textos desta espécie de diário encontra-se uma frase curiosa que é um balanço de vida e que traduzo adaptada: “não devia ter escrito que a minha vida foi inútil, pois na ordem de Deus não existe inutilidade”. É usado o termo ‘infrutífero’ e podia também ter traduzido a frase como “na ordem divina tudo dá fruto”. Mikes faz lembrar um pouco o herói de O Deserto dos Tártaros, a gastar o tempo inteiro numa espera infrutífera, a arrepender-se de pensar nesses termos, a lamentar a mortalidade próxima. Nunca vivemos o que queríamos viver e o drama deste escritor era poder ver atrás de si o fracasso da causa política pela qual lutara e, nos dias à frente, tudo preenchido por um imenso vazio. Como o compreendo. Cumpriu o seu exílio até ao fim, como se fosse um dever.

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publicado às 12:53


1 comentário

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De Cuca a 27.01.2015 às 19:50

Mas o arrependimento final de Mikes foi uma benção. Afinal, interessa muito menos aquilo que fazemos com a nossa vida do que aquilo que nos convencemos que fizemos com ela.

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Autores

João Villalobos e Luís Naves