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Pedaços do mundo e grãos de areia
Dou de barato que quem é de esquerda trate toda a gente por tu. Ainda para mais um presidente de sindicato. Que cargo mais de esquerda e menos preocupado com protocolos deve haver? É arregaçar as mangas e lá vai alho. Mesmo que o destinatário seja, em carta aberta, o primeiro-Ministro. Na verdade, interessam-me pouco estas questões laterais de forma. Mas, lendo isto, pergunto-me: O que é que o excelentíssimo senhor presidente do 'Sindicato dos Estivadores e blá, blá e blá' quer, afinal? Qual o objectivo da sua diatribe em português ligeiro?
Li o artigo de fio a pavio e constato que - para além de ter ultrapassado mais do que os habituais 3.500 caracteres para um artigo de opinião reservados ao comum opinador de jornal - apenas conseguiu juntar os hojes que choram aos amanhãs que cantariam, fosse o Governo outro e sem se perceber ao que vem.
Uma carta aberta tem um pressuposto formal. Nesta, o autor prescindiu olimpicamente da forma, como porta-voz do Povo que é, essa entidade metafísica que todos os representantes da esquerda representam e conhecem muito lá de casa, embora não consigam que vote nas urnas. Nesta carta aberta, o excelentíssimo senhor presidente do 'Sindicato dos Estivadores, semelhantes e afins' afirma, dirigindo-se directamente ao primeiro-Ministro do Governo que fez recentemente um acordo com os trabalhadores que representa, o quanto gostava de o ver pelas costas. É bonito.
Mas mais lindo ainda é pensar o que escreveria se o dito acordo não tivesse existido. "Nunca deixámos de garantir as importações e as exportações de que o país precisa", diz o senhor que sumamente representa os senhores que descarregam e carregam o que outros produzem. Está bem, seja. É verdade que há uns meses não paralisaram tudo isso, após uma greve durante a qual ameaçaram com greves similares e solidárias, nos países de destino dos navios e da sua carga. Mas, convenhamos, o que é que isso lhe interessa agora? Importante é dar cascudos e provas de existência.
A mim, como esforço de hermenêutica, gostava mesmo era de entender quais os objectivos de uma pérola destas. Talvez o excelentíssimo senhor presidente dos senhores (e senhoras, se existirem) que tanto asseguram as nossas importações e exportações também sonhe com a sua candidatura à presidência da República. Citando Margarida Rebelo Pinto, sei lá. Está no seu direito. Parece-me que hoje, aliás, esse é o único sonho que à esquerda todos importam. Duvido é que o exportem seja para quem for.
Nota: Na fotografia, penitenciando-me por não saber e não mencionar a autoria, podem ver-se os estivadores a contribuir activamente para o equilíbrio da balança de pagamentos.