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Pedaços do mundo e grãos de areia
No início dos anos 50, o escritor americano Isaac Asimov (1920-1992) publicou três romances de ficção científica, a que chamou a série Fundação. A obra começou na forma de oito contos publicados numa revista especializada, sendo mais tarde desenvolvido um conceito que pretendia criar todo um universo com cronologia coerente. Na ideia base, que influenciou muitos jovens do seu tempo, estava a “psico-história”, ciência nova, desenvolvida pelo matemático Hari Seldon, e que pretendia prever os desenvolvimentos sociais e a evolução histórica.
Segundo Asimov, Fundação foi inspirada na leitura do clássico do séc. XVIII, História do Declínio e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon. O enredo de Asimov conta-se em poucas linhas: o império galáctico está em declínio e, quando entrar em colapso, daí a 300 anos segundo os cálculos de Seldon, haverá 30 mil anos de barbárie. Assim, o cientista concebe um plano (hoje diríamos um roteiro ou road map) que visa encurtar o hiato civilizacional para apenas mil anos. A trilogia inicial de Asimov, mais tarde expandida para sete livros, conta-nos as peripécias vividas pelas duas fundações que devem criar o novo império galáctico.
Na verdade, o futuro do império não é diferente daquele que espera um pequeno país disfuncional. A evolução parece andar ao contrário: quem esteve com os vencedores, perde; quem apostou nos perdedores, ganha, sendo inelutável a lei de que os interesses resistirão à necessidade de reformas. Enfim, o império apodrece, mas todos dizem que se revigora, e dizem com mais força quando ele apodrece com maior intensidade. Há demasiadas emoções à solta e mesmo assim as equações funcionam. As personagens não controlam o seu destino, mesmo que o poder dê a permanente ilusão da mudança, que é mais um sintoma da doença da ruptura, embora pareça resistência activa a essa ruptura. Temos neste império imaginário um curioso beco-sem-saída: se não mudar, cai; mas se mudar, acelera a queda. O estertor está iminente quando deixa de existir honra, quando a lealdade se torna um perigo para o poder (como demonstra o general Riose, naquele que para mim é o melhor episódio da trilogia)
Fundação teve impacto em muitos dos seus leitores, como se pode ler neste texto do economista Paul Krugman. A ideia da previsibilidade da evolução política da sociedade é fantasiosa, mas corresponde a um desejo antigo. O exercício da previsão é feito diariamente por comentadores políticos, meteorologistas, economistas, sociólogos, tentando cada um dar sentido à desordem aparente, que no fundo esconde mecanismos internos que os especialistas tentam descodificar e compreender. Nos mercados financeiros houve umas tentativas de imitar Hari Seldon, mas todas acabaram em estrondosos colapsos.
Nos seus livros, a bem da narrativa, Asimov ignorou estes problemas, baseando-se sobretudo na História de Roma e na própria História americana. Os primeiros adversários da fundação lembram senhores feudais, depois surgem os mercadores e estes são substituídos por capitalistas, que mostram limitações quando têm de enfrentar o contra-ataque do império agonizante (o respectivo general lembra talvez Belisário). Tudo é contado em grandes pinceladas, sem se dar às personagens o conteúdo psicológico que as faria mais trágicas ou mais patéticas.
Nos anos 70 surgiu outro universo que mostra grandes semelhanças com este. Estou a referir-me a Guerra das Estrelas. Tirando os alienígenas, a força e os cavaleiros Jedi (em relação a estes últimos até tenho dúvidas), o resto podia ser integrado no universo Fundação. No livro de Asimov, o planeta imperial, Trantor, é idêntico a Coruscant, na Guerra das Estrelas (na imagem), como aliás são parecidos os couraçados, os planetas decadentes ou os mercadores.
Guerra das Estrelas deve muito a Fundação, mas estranhamente a série de Asimov nunca foi adaptada ao cinema. Julgo que houve uns projectos, mas não avançaram, por razões que desconheço, mas que Hari Seldon talvez pudesse explicar.
Melhor assim. Embora seja um livro para jovens, Fundação tem um materialismo que desagradaria aos públicos actuais. Infantilizado e transformado em fogo-de-artifício visual, o filme seria provavelmente uma enorme desilusão.