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Pedaços do mundo e grãos de areia
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A utilização do termo protectorado para descrever a situação do País pode parecer dramática, mas a palavra é verdadeira. Portugal não tem autonomia orçamental e terá de cumprir exigências que lhe são feitas por organizações internacionais. Não sendo total a soberania do País, este depende parcialmente dos credores.
A situação não é humilhante: o facto é que não temos moeda própria e fazemos parte de uma zona monetária cujas regras são colectivas, regras essas que não cumprimos no passado. A cedência de soberania (aderir à moeda única) foi aliás voluntária.
Julgava que isto era claro para todos, mas tenho lido textos onde a ideia da soberania mitigada é associada à suspensão da democracia ou à submissão colonial. Segundo estes autores, chegou a altura de um sobressalto nacionalista que nos liberte do jugo imperial da troika.
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“Protectorado” significa que estamos sob protecção temporária. Estamos fora dos mercados e não sendo possível obtermos financiamento, assinámos de forma voluntária um acordo com três instituições internacionais que nos emprestam dinheiro em troco do cumprimento do chamado memorando de entendimento, um conjunto de medidas políticas e orçamentais visando o equilíbrio das contas públicas e a introdução de reformas estruturais que aumentem a competitividade económica do País, sendo portanto em nosso inteiro benefício. Isto nada tem de anti-democrático, são escolhas próprias e é preciso ter o bom senso de ir até ao fim do programa.
O governo é legítimo, as instituições funcionam e estaremos até Junho de 2014 sob protecção internacional, algo que só é possível por uma razão: Portugal é membro da zona euro.
Falta um ano para a conclusão do programa de ajustamento. Falta também um corte na despesa, num montante de 4,7 mil milhões de euros, sem o qual não podemos concluir o programa. Estes elementos são negociáveis, mas não muito. Os credores têm os seus próprios interesses a defender, nomeadamente eles querem assegurar que Portugal terá condições para pagar os empréstimos, dinheiro que pertence aos contribuintes dos países credores.
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Durante anos, os gastos públicos nacionais foram muito superiores às receitas. A dívida assumiu uma dimensão perigosa e, quando estalou a crise financeira internacional, o País foi uma das primeiras vítimas da desconfiança dos investidores.
A crise financeira reduziu o dinheiro em circulação a nível global e ainda não está inteiramente resolvida. Para piorar, a Europa tem um desequilíbrio entre países credores e devedores, o que necessita de uma alteração institucional cuja negociação levará anos. Portugal está envolvido nestes dois problemas e ainda tem a limitação da sua falta de competitividade. A questão não é exclusiva dos portugueses, pois os parceiros europeus estão ligados aos nossos problemas através de uma moeda que também é deles.
O mundo não vai mudar à nossa volta, nós é que temos de mudar. O País não se preparou para os efeitos da globalização e para o impacto do euro. Costumava resolver os seus problemas crónicos de competitividade através da desvalorização da moeda, algo que já não pode fazer. A única saída de que dispõe é prosseguir as reformas estruturais e modernizar a economia.
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São inúteis as conversas sobre novas aljubarrotas, romper com a troika e recuperar a dignidade nacional e a soberania. A radicalização da política leva geralmente ao fracasso. Precisamos de perceber que não podemos continuar reféns de grupos de interesses ou dos comentadores profissionais com contas a ajustar.
Tirando a retórica bombástica, há apenas duas visões do nosso futuro, ambas inteiramente legítimas.
Uma delas conclui o memorando de entendimento, cuja negociação é limitada, e assegura que Portugal se mantém na zona euro. Falta um ano para acabar o programa e estamos à vista da meta.
A outra hipótese rompe com o memorando, retira-nos da moeda única, reintroduz o escudo e procede a uma desvalorização em larga escala.
Neste momento não existe qualquer dúvida sobre qual das duas é minoritária. Por isso, a ideia de realizar eleições apenas para tirar os que lá estão seria absurda e levaria a uma mentira grave. A verdadeira escolha não é entre partidos ou pessoas, mas se queremos ou não continuar europeus. E ninguém coloca o problema na sua forma autêntica.