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Pedaços do mundo e grãos de areia
Excerto da História do Futuro, segunda metade do séc. XXI, ficha 72/01/0mk/8965/4534/9jm/a grande perturbação
Os países industrializados começaram a utilizar a inteligência artificial (IA) na primeira metade do século XXI, mas só na segunda metade foram absorvidos os seus verdadeiros efeitos. Nesta ficha discute-se o fenómeno do envelhecimento da população, cuja relação com a IA é apenas indireta. O mecanismo pode resumir-se da seguinte forma: o uso destas tecnologias na observação das retinas humanas mudou o diagnóstico médico e permitiu o uso sistemático de máquinas na deteção precoce de doenças. Com medicina preventiva, a longevidade humana passou de uma média de 80 anos nos países desenvolvidos para mais de 120 anos, depois 150, isto em apenas duas gerações. Ao mesmo tempo, as máquinas podiam realizar praticamente todos os trabalhos, pelo que não houve incentivo para alargar demasiado a idade da reforma. Tipicamente, no final do século, um cidadão nas nações ricas (na Ásia, Europa e América) trabalhava até aos 70 anos e vivia até aos 140. Muitas pessoas nem trabalhavam, preferiam receber o rendimento mínimo garantido, que era financiado pelo crescente contingente de máquinas. Houve também uma quebra acentuada na natalidade e a população no hemisfério norte começou a diminuir, o que aumentava a riqueza per capita, pois as heranças eram distribuídas por menos indivíduos. Este bem-estar geral criou um problema paralelo, o excesso de consumo. A maior parte da população idosa e rica não tinha nada para fazer e dedicava-se aos prazeres da vida, sendo que o consumo era um dos preferidos. Com as fábricas robotizadas e a distribuição generalizada, a produção tornou-se barata, o que teve forte impacto ambiental. Nesta altura, o mundo industrializado já tinha resolvido o problema dos combustíveis fósseis, mas começou a haver escassez de metais. Por vezes, as fábricas tinham de parar, algo que começou a reduzir a receita fiscal que sustentava a confortável existência de uma população cada vez mais envelhecida. Os bens essenciais tornaram-se caros e o descontentamento deste eleitorado incapaz de manter elevados padrões de consumo criou uma crise social e política. Entretanto, alargara-se o fosso entre países ricos e países pobres. Estes últimos não tinham recursos para criar uma sociedade de abundância e as pessoas morriam jovens, em média aos 80 anos, o que criou forte ressentimento em relação ao mundo industrializado onde se vivia mais de 150 anos. Isto levou a embargos de matérias-primas, fluxos migratórios que se tornaram violentos e ainda interrupções frequentes do transporte internacional de mercadorias. Esta grande perturbação durou vinte anos e tornou insustentável a sociedade da abundância na parte industrializada do Ocidente, que se fragmentou numa amálgama de nações fragilizadas.
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