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História de um detetive

por Luís Naves, em 20.12.23

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Ele era um detetive duro e, na cidade, com a escumalha à solta, os duros não fazem prisioneiros. Tinha sido contratado por misteriosos advogados de uma firma em Washington, com instruções de ninguém perceber que desvendava uma conspiração sobre as coisas do costume: mulheres, pistolas de nove milímetros e muito dinheiro. Acabara de partir o nariz a um tipo para conseguir alguma informação, compôs o chapéu, depois a gravata, largou o cigarro, acelerou o passo. No calor sufocante, aquela pista ainda fresca exigia uma perseguição sem piedade. Caíra a noite e os desfiladeiros de prédios deitavam uma luminosidade doentia, as sombras do vício cobriam a humidade com uma película fina de desgosto. Ele sabia que aquele bar era o coração do enigma e atravessou a rua. Lá dentro, viu os rostos contorcidos pela maldade, os recantos impenetráveis de onde podia emergir alguma ameaça inesperada. Sentou-se em frente ao grande espelho e pediu um Sunset Boulevard, agitado, não misturado. O barman era um tipo narigudo, que se chamava Larry. O detetive olhou em redor, estava na zona mais iluminada, a dar nas vistas, alguma coisa teria de suceder. Ficou algo surpreendido quando se aproximou uma mulher. O corpo fabuloso, o olhar insinuante de quem controlava um universo escondido de chantagens, desaparecimentos e mortes a tiro. Isto explicava tudo, tinha sido ela a mexer os cordelinhos da trama, só uma mente especial poderia conceber um tal plano diabólico. A mulher espampanante sentou-se a seu lado, sem emoções, lindíssima. O detetive percebera o esquema, ela estava talvez intrigada, procurando entender o adversário.
Extraordinariamente bela, pensou, teria de a desmascarar e já lamentava esse desfecho.
"Não é cliente habitual. Quem lhe recomendou o meu estabelecimento?", perguntou a mulher, que se chamava Betty.
A sua beleza inocente seria um trunfo no julgamento, admitiu o detetive, imerso nos seus pensamentos.
"Digamos que procuro certas informações", disse.
"Ah, é da polícia".
Betty desabafara com uma doçura desarmante, talvez com o cansaço de quem finalmente teria de enfrentar a realidade. Mudou de expressão: ficou pensativa e mais bela ainda.
"Não acha estranho?", perguntou a mulher esplendorosa, com um arrepio na voz.
"O quê?"
"O mundo é a cores e vemos tudo a preto e branco?"
Só então o detetive percebeu que estava num filme. Como se tivesse levado um valente encontrão, deixou de perceber o que estava à sua volta. Descobrira de súbito que era quase falso ele próprio, o barman Larry, a firma de Washington, Betty e tudo aquilo em que acreditava a multidão escondida em silêncio além do espelho.

imagem: IA, Bing Image Creator

publicado às 11:52


Autores

João Villalobos e Luís Naves