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Super-melga

por Luís Naves, em 18.12.23

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Se fosse super-herói, aquele fulano podia chamar-se a perfeita melga. Não conheci pessoa mais chata, aparecia sempre nos momentos inoportunos, dizia coisas inconvenientes, até um pouco grosseiras. Artur podia ser obsessivo com as amizades e, nos namoros, era picuinhas, ciumento e caprichoso, ou pelo menos estas eram as queixas normais das mulheres que se fartavam dele. O Artur tinha o hábito de falar incessantemente, não se calava, interrompia os outros com uma frase irritante, era isso que eu ia dizer, e depois apropriava-se da ideia, convencido de que tinha sido ele o primeiro a defender aquela opinião. Comecei a chamar-lhe o super-melga, como aquelas figuras da banda desenhada, o que era um sarcasmo talvez um bocadinho excessivo. Nunca lhe reconheci mérito e, muitas vezes, quando ele aparecia do nada, eu não conseguia esconder a impaciência. Levava grandes secas, o Artur tomava conta da conversa e ficava em minha casa até tarde, a mastigar sempre os mesmos assuntos, e via-se certamente na minha cara o aborrecimento, a falta de pachorra, pois o homem não perdia o pio e ficava horas a palrar. Bem preso à minha vida, debitava os seus problemas, que tinham sempre a mesma origem: não conseguia desamparar nenhuma loja e as pessoas cansavam-se dele. Se o Artur era assim com amigos e namoradas, não imagino como funcionava no trabalho. Só posso garantir que foi subindo na hierarquia lá na sua empresa e começou a aparecer menos vezes. Andava noutros círculos e perdi-lhe um pouco o rasto. Artur subiu como um barão, às tantas andava metido em altos voos corporativos e ficou uma pessoa importante, o que para mim foi sempre misterioso, pois era um chato dos antigos e as reuniões da direcção da empresa deviam ser filmes para dormir, daqueles russos que duram vinte horas. Abrevio a história, só para dizer que eu próprio passei dificuldades na vida, estava em maré baixa social e os meus amigos tinham dado de frosques. Lembrei-me um dia de telefonar ao Artur e combinar um encontro, para falarmos dos bons velhos tempos. Assim foi, mas eu devia estar nervoso, ou assim, falei e falei durante toda a conversa, dei por mim a interromper o meu amigo, era isso que eu ia dizer, e na cara do Artur percebi sinais de enfado. O super-melga não tinha paciência para estar ali a ouvir o que eu dizia.

imagem: IA, Bing Image Creator

publicado às 15:32


Autores

João Villalobos e Luís Naves