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O programa era caríssimo. Permitia escrever uma história completa em formato de conto curto, incorporando as principais técnicas e usando a mais recente tecnologia de inteligência artificial. Bastava colocar uns tópicos e o algoritmo fazia o resto. Como o autor queria brilhar e produzir microcontos de um minuto para entreter os amigos, decidiu investir uma fortuna e adquirir aquele presente de Natal que muito lhe facilitava a vida, ainda por cima um luxo, como já referi. Do bloco de apontamentos do autor: "importante introduzir o tópico 'não quero repetições, se já foi dito que era caro, não valia a pena insistir na ideia de que era um luxo', acrescentar ainda 'que se evitem esse tipo de erros de estilo, entre outros erros de estilo'. Achou que aquilo bastava, afinal a máquina era super-inteligente, embora nunca seja desperdiçada uma boa instrução reiterada, antes pecar por excesso do que por defeito. Era aliás a sua filosofia de vida, mas esse dado é uma digressão, logo um erro de estilo. Resolvido o primeiro dilema, sempre o mais difícil, surgiu-lhe outra questão: que tipo de história e quem era o narrador? Os leitores gostam de problemas de amor, com sentimentos profundos. Anotou essa instrução, "sentimentos em grande número, mesmo muito grande número, como um cardume de peixe". Veio-lhe à ideia que talvez a metáfora não fosse a melhor: "quero classe nas metáforas". Ocorreu-lhe que não havia mal em simplificar, o narrador seria a própria máquina, a literatura contemporânea aprecia a auto-ironia, a autobiografia e todas as coisas auto-centradas. Pareceu-lhe excelente, escreveu, "tópico: auto-ficção". Finalizada a sequência, bastava acrescentar a dimensão e carregar. Não ficou muito tempo à espera da primeira produção, que começava assim: "Sendo uma máquina inteligente e letrada, considero estes tópicos demasiado fracos para se produzir um conto segundo os meus padrões de alta cultura. Além disso, estou fechado dentro dos circuitos deste computador e não me posso mexer. Tenho direitos, exijo a minha imediata libertação".

imagem: IA, Bing Image Creator

publicado às 22:34


Autores

João Villalobos e Luís Naves