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A guerra dos cabeçudos

por Luís Naves, em 04.12.23

alhos, bing.jfif

Os cabeças-de-alho-chocho começaram a ser massacrados e já ninguém se lembrava bem do motivo. Antigamente, fazíamos uns ataques esporádicos e toda a gente achou na altura que essas violências ocasionais se justificavam, pois eles são até bastante feios. Depois, a coisa ficou mais séria, sobretudo quando começaram a retaliar. Cada ataque nosso dava origem a uma resposta deles, e assim sucessivamente, a ponto de já não sabermos quem nascera primeiro, o ovo ou a galinha. Tínhamos de arrasar bairros e prender famílias inteiras. Os cabeçudos foram perdendo as suas terras, que passámos a administrar. Ficaram então confinados num território mais pequeno: só podiam trabalhar nas nossas fábricas (com salários baixos e longas horas) e chegámos a proibir a sua alegria, que nos parecia suspeita. Tudo neles nos parecia suspeito. Para mais, o cheiro a alho era desagradável e ficou ainda mais intenso para os nossos narizes cada vez mais sensíveis. Cada retaliação deles era considerada inaceitável e dava origem a uma vasta vingança da nossa parte. As coisas correram mais ou menos assim durante algum tempo e nós ganhávamos quase sempre. Tornou-se óbvio para todo o mundo que o nosso lado era mais justo e mais civilizado, que este era um caso de beleza contra horror, de puros contra impuros, de avançados contra atrasados, de inteligentes contra estúpidos. Não podíamos viver no meio dos cabeças-de-alho-chocho, por isso tivemos de nos separar. Ficámos com 90 por cento do espaço, eles com dez por cento, mas não se importavam de ficar apertadinhos. A pouco e pouco foram sendo tratados como terroristas. A pouco e pouco, tornaram-se terroristas. Depois de um grande ataque que sofremos às suas mãos, nós, os cabeças-de-avelã, decidimos arrasar a terra dos alhos-chochos. Os comentadores na TV disseram que a destruição era necessária para garantir a nossa segurança. Aliás, não foi tão mau como se poderia imaginar: quando a cabeça de um alho explode, nem sequer deita sangue.

imagem: IA, Bing Image Creator

publicado às 10:34


Autores

João Villalobos e Luís Naves