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Cancelamento

por Luís Naves, em 27.11.23

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Quando se acabou o dinheiro na minha conta bancária, fui à agência e enfrentei alguma dificuldade em entrar. Disseram-me depois que tinham cancelado o meu cartão e só abriram a porta por temerem que eu fosse partir o vidro à prova de bala, o que aliás não teria sido possível, pois bati com jeitinho. Que raio de vidro à prova de bala é este, que fica logo com rachas, perguntei ao funcionário, que me respondeu de maneira muito parva, a dizer que ia chamar a polícia. Pensei que era demasiado barulho por causa de uma conta bancária, ainda por cima vazia. Pedi-lhe para depositar cinco euros, mas ele disse que a conta já tinha sido encerrada, depois aconselhou-me a sair antes que viesse a polícia. Estou a ser humanitário, acrescentou o beato. É esta a incapacidade do país. Tenho sido desprezado sem razão, a minha mulher diz que não quer falar comigo, e não consigo entender, estou sempre bem disposto. As pessoas passam por mim, cumprimento, mas elas não respondem. Queria trabalhar, mas não me deixam. Queria ser rico, mas sou boa pessoa. Na segurança social, disseram-me que estavam sem pessoal e não me podiam atender, ainda argumentei, mas veio o insegurança, um tipo enorme, para me enxotar. Pudera, ainda lhe perguntei se não tinha vergonha de estar a escorraçar um excelente cidadão e ele reconheceu, com um encolher de ombros tristonho, que tinha um emprego difícil, então empurrou-me para fora e estatelei-me na rua. Logo me recompus, saí dali a assobiar uma canção da moda. Toma e embrulha, que país de fanfarrões. Meti-me num comboio sem bilhete e era a única pessoa com boa disposição na carruagem. Desatei a perguntar aos outros passageiros o motivo de irem tão carrancudos, mas olharam para mim com evidente má vontade e disseram que não havia motivo para festejar, por causa das cenas e das merdas. Uma mulher desagradável disse que eu tinha o riso dos tolos antes do cancelamento. Depois, veio o pica, acompanhado de um polícia de choque.

imagem: Night Café, IA

publicado às 20:17


Autores

João Villalobos e Luís Naves