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Ruínas ocidentais

por Luís Naves, em 15.07.23

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Lemos sobre alimentação, ambiente, guerra, geopolítica ou finanças e percebemos que esta ordem mundial vive uma actualidade insustentável. É curioso que num país periférico como Portugal tenham sido publicados vários romances sobre catástrofes. Existem excepções, claro, mas geralmente publicavam-se livros sobre personagens em ruínas, agora temos o colapso da própria civilização. Não sei se este fenómeno revela a capacidade premonitória dos escritores (que podem observar a matéria escura da humanidade), ou se é sintoma da dissolução da sociedade ocidental.

Talvez algumas pessoas consigam pressentir antes das restantes as ondas sísmicas que se aproximam. O nível de consumo e as dívidas, a ganância de uma minoria que acumulou riquezas incalculáveis, a corrida aos armamentos e a rivalidade entre potências, a luta pelos recursos cada vez mais escassos, as migrações e colapso de ecossistemas, a devastação da guerra europeia. As máquinas do impensável continuam a acelerar a caminho da tragédia, isto não é sentido da derrota, mas incapacidade de intervir.

O que para mim é evidente apenas provoca nos meus semelhantes um encolher de ombros. Falar nestas coisas tornou-se inútil, há quem se ria do meu pessimismo. Não é possível mudar a política que nos leva ao abismo, nem influenciar a opinião, as pessoas começaram a detestar os factos, já nem parecem capazes de os perceber, quanto mais de os aceitar. As indignações são geralmente falsas e escondem interesses, servem como distracção do essencial. Aliás, estamos rodeados de ilusionismo. O mundo caminha para um naufrágio, mas empurrado por esses falsos indignados ou pretensos oprimidos.

Os meios de comunicação tornaram-se irrelevantes, o mesmo se pode dizer da própria arte, cuja banalização anestesia os sentidos. Somos de facto sonâmbulos. Os países ricos ficavam com tudo e agora não querem partilhar nada. O resto do mundo não se conforma e contesta abertamente um sistema que considera injusto. Os conflitos são inevitáveis e, um dia, serão descontrolados. Alguma literatura tenta resistir, suponho, tenta a legibilidade em vez da retórica, procura ambientes, evita o estilo pomposo e foca-se nas ideias, no ritmo e nas personagens, procurando a forma mais simples, sem digressões ou postalinhos. Antes era a densidade da linguagem, agora é o estilo transparente.

Entre os mais lúcidos, há um sentido de urgência, uma antecipação das desgraças. Todos se querem fazer ouvir, acham que têm coisas importantes para dizer, mas há um problema de escala na realidade contemporânea. São muitos, muitos, os que desejam falar. Uma cacofonia, uma multidão a conversar na sala, e só é escutado quem falar mais alto, e quando a escala aumenta, só se ouvem os que gritam. As zonas de silêncio são solitárias. As pessoas de qualidade calam-se.

Seja perdoado o tom caótico deste texto, mas que interessa? Os raros leitores percebem.

imagem: IA, Night Café, SDLX 0.9

publicado às 11:25


Autores

João Villalobos e Luís Naves