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No arraial

por Luís Naves, em 25.06.23

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"Falei por falar, na brincadeira", disse o desconhecido, "felizmente, a perfeição não existe e a felicidade também não".
Olhou para mim com expressão que desmentia o tom de ironia. Pareceu-me que ele apenas tentava corrigir a primeira afirmação, que eu ouvira correctamente. O desconhecido afirmara com enorme convicção que naquele pátio e naquelas ruas não havia ninguém feliz, o tipo de frase pedante de quem quer desabafar sobre os seus próprios estados de alma. Não posso garantir que as pessoas que exibiam euforia naquela rua estivessem todas mesmo alegres, por vezes era evidente que alguns foliões tentavam fingir, para poderem acompanhar o movimento da multidão, da massa de gente que pulava e cantava, entre pares a dançar no meio do arraial, luzes penduradas entre as casas, numa algazarra de cores e de cheiro a sardinha assada. Sim, era provável que houvesse por ali máscaras de felicidade, como acontece nos carnavais, onde cada um pode ser alguém diferente e simular por momentos que não está agarrado a si próprio.
A afirmação do desconhecido, apesar de tudo, era exagerada. Via-se felicidade, beleza, o melhor da humanidade.
"No fundo, tudo isto é falso", gritou ele, na minha direcção, a gesticular.

publicado às 19:11


Autores

João Villalobos e Luís Naves