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O problema do senhor Abdul

por Luís Naves, em 15.06.23

Estava uma tarde tranquila, no último dia antes de uma ponte, a cidade já se esvaziara, a rua era toda para mim. Passeava pela sombra, em passo lento, quando apareceu aquele rapaz asiático. São bem-educados e nunca sabemos bem a idade deles. Digamos, neste caso, quarenta e poucos, magrinho, cabelo liso e curto, camisete azul. Só falava inglês macarrónico, aos bochechos, revirava a cabeça quando lhe faltavam as palavras. Pediu a minha ajuda, com sorrisos e amabilidades, e lá fui percebendo um pedacinho do drama. Mostrou-me o telemóvel, máquina moderna, era preciso chamar a polícia, mas não sabia os procedimentos.
Olhei à volta, talvez houvesse alguma patrulha por ali, mas nada. Era naquela hora a avenida mais calma de Lisboa, que é uma cidade onde nunca acontece nada de especial.
Lá fui fazendo perguntas em inglês, a tentar entender o motivo da agitação: o homem explicou que se chamava Abdul e era do Bangladesh, não falava português, pelo menos o suficiente para se fazer entender num assunto tão delicado. Aquilo era por causa do assalto ao estabelecimento que ele tinha em Alcântara. Ele disse mesmo Alcântara, a palavra era nítida, mas estávamos os dois em frente a um banco numa esquina da avenida de Roma e aquela discrepância geográfica acionou as minhas sirenes de alarme: a polícia que não aparecia, o telemóvel excelente que ele me exibia para eu chamar as autoridades, um estabelecimento em Alcântara (digo assim por não me lembrar se era mesmo restaurante e daqueles de cozinha indiana), mais o ladrão na avenida de Roma. Enfim, desconfiei, estas confusões não nos aparecem todos os dias.

publicado às 16:28


Autores

João Villalobos e Luís Naves