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Realidades paralelas

por Luís Naves, em 10.06.23

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Costumava existir separação nítida entre realidade e imaginação. Havia o mundo dos factos e havia o mundo da fantasia, e os dois não se misturavam, eram como a água e o azeite. Na Era em que vivemos já não é assim. As notícias assumem narrativas e têm dificuldade em aceitar os próprios factos, tendem a criar realidades parcialmente ficcionadas, baseadas naquilo que desejamos ver. Os escritores, que se dedicavam a imaginar irrealidades desconfortáveis, agora só são publicados se não contarem histórias, só são publicados se escreverem crónicas pessoais, construídas com as mil banalidades da existência e separadas da fantasia. Nas notícias meio-inventadas, tornou-se difícil distinguir o falso do verdadeiro; na literatura os escritores praticam a autoficção e o enredo verídico, portanto, sem grande lugar para a invenção. Os noticiários moralizam constantemente: a actualidade é maniqueísta, o bem contra o mal. Por seu lado, a literatura tornou-se didáctica e militante, também repleta de crenças de bem contra o mal. O jornalismo, que devia tratar de factos, tem horror da realidade; a literatura, que devia tratar da imaginação, aterroriza-se com a sua natureza.

publicado às 11:08


Autores

João Villalobos e Luís Naves