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Memórias, de Brandão

por Luís Naves, em 05.07.17

Entre leituras caóticas de Rodrigues Miguéis, Aquilino Ribeiro e Mário Vargas Llosa, alguns excertos das Memórias, de Raul Brandão, livro espantoso que a Quetzal se atreveu a publicar num único volume. Conhecia a primeira parte, mas não os dois segmentos seguintes. Há por ali reminiscências pessoais, sem autobiografia, pequenas histórias retiradas de conversas, um bocadinho de má-língua, recortes da imprensa, textos de poesia pura, crónica, observações políticas, comentário, um pouco de tudo, enfim, e a leitura é uma delícia contínua. Não sei se já li o suficiente para compreender o livro, mas ocorreu-me que, se na época de Raul Brandão houvesse blogues, o escritor teria utilizado o meio. Outra ideia ainda não está sedimentada, mas muitos textos revelam excertos de conversas e, em muitos casos, revela-se ali a escassa lucidez das elites portuguesas (os rumores que os cavalheiros iam transmitindo fazem lembrar as conversas do moderno facebook). Não sei se não estaremos a viver um período parecido com alguns dos piores momentos da Primeira República, pois também agora são os exaltados que se fazem ouvir. É também claro que não se encontram reflexões sobre grandes acontecimentos externos; isso, não sei explicar, mas o conhecimento do mundo talvez seja uma mania contemporânea; damos grande atenção à espuma dos eventos estrangeiros, isso vê-se, por exemplo, na obsessão com os fait divers de Trump, geralmente truncados e balofos. No fundo, continuamos provincianos, como no primeiro terço do século passado. Mas isto já foi uma digressão a mais: leiam as Memórias de Raul Brandão, um diário onde se mistura a crónica; na literatura portuguesa não há muitos exemplos do género, pelo menos com esta qualidade.

publicado às 19:06


Autores

João Villalobos e Luís Naves