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Pedaços do mundo e grãos de areia
Em Portugal, muitos pensam que o romance não precisa de contar histórias. Embora a ideia colida com o que se faz em outros países com forte tradição literária, são criticados os livros com enredo, como se isso fosse do domínio do cinema ou de géneros considerados menores. Escritores nacionais de prestígio praticam uma literatura impressionista e fragmentada, modernista e experimental, de preferência sem trama e com personagens pouco definidas, transformadas em ‘vozes‘ que vão debitando aos leitores o seu fluxo de consciência, sempre auto-centrado. A destruição da narrativa, na forma tentada, está associada à ideia do fim do romance, que se discute há um século.
Em vez de inovadoras, estas prosas parecem-me antiquadas. O nouveau roman já tem 60 anos e o modernismo mais de cem. Lemos os romances de escritores contemporâneos (Orhan Pamuk, David Grossman, Javier Marias, John Banville, Patrick Modiano, Mario Vargas Llosa, Martin Amis, Laszlo Krasznahorkai, Per Peterson, Peter Nadas, Enrique Vila-Matas, Elena Ferrante, Amos Oz ou Don de Lillo) e encontramos geralmente boas tramas, em prosas mais ou menos densas, de estilos diferentes entre si, mas que utilizam amplamente a tradição, construindo personagens sólidas. Muitos destes autores procuram a legibilidade e procuram igualmente ter um pensamento sobre a História, cuja vivência é uma das experiências humanas mais básicas. A arte contemporânea faz rupturas em relação ao passado, mas a natureza humana é a mesma: temos o impulso essencial da narrativa, precisamos de absorver e contar lendas, de usar a fantasia e de inventar. É assim desde que somos humanos.