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Pedaços do mundo e grãos de areia
Agora, são mais as vezes em que me envergonho um pouco do que escrevo, em que me parece tudo desagradável e fútil, insuficiente e mal concebido. A escrita precisa de ser autêntica, com acabamentos finos e devidamente trabalhados, mas as frases saem-me toscas e pobres, demasiado banais, incompletas e ocas. A cabeça anda-me perdida em pensamentos, dispersa numa melancolia improdutiva e vaga. As memórias apagam-se e aquilo que vivi parece tão distante como a Lua. Devia escrever sobre isso, a realidade tal como a senti, e ando a escrever sobre a irrealidade que imagino. Devia escrever sobre a insensatez, mas produzo textos cartesianos, como se o mundo fosse a regra e esquadro, sem o caos à solta. Devia escrever sobre a verdade e escrevo sobre a mentira. Vivemos, sem dúvida, em tempos irreais, era isso que eu queria dizer, mas bastava dizer isso mesmo, que nada do que vemos é verdadeiro, que o autêntico não existe, não passando de uma elaborada manipulação dos sentidos. Como dizia um famoso produtor de Hollywood ao criticar os seus argumentistas: ‘querem enviar mensagens? mandem um telegrama’.