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Pedaços do mundo e grãos de areia
A publicação de um texto do ex-presidente Nicolas Sarkozy agitou a fase final da campanha francesa, mostrando que a discussão nos países centrais da UE tem características bem diferentes do nosso pseudo-debate fulanizado e paroquial. O que mais parece preocupar os franceses é a livre circulação de pessoas, o excesso de burocracia europeia e como realizar a aceleração da integração num núcleo duro de países. Ora, a opinião pública nacional continua alheada destas ideias, com os partidos a considerarem os temas demasiado esotéricos.
Segundo argumenta Sarkozy, a livre circulação no espaço Schengen deve ser revista, dependendo no futuro da harmonização das políticas de imigração. Ou seja, a revisão de Schengen obrigaria países como Portugal a restringir a sua política de imigração, limitando a entrada de estrangeiros, algo que só poderá contribuir ainda mais para o défice demográfico que nos arrasta para o fundo.
Admitindo que Sarkozy possui uma visão de futuro, a UE terá um reforço do eixo franco-alemão e até a eventual saída do Reino Unido. Enfim, a permanência na zona euro dependerá da aceitação de mais integração, ou seja, de regras uniformes no ambiente, na energia, no mercado laboral, na fiscalidade. Se alguém pensa que é possível ser mais competitivo através de baixos salários, incentivos fiscais para as empresas, dumping social ou ambiental, etc, talvez seja boa altura para rever os cálculos. A Alemanha entretanto já exigiu a todos os membros o rigor nas contas públicas e, no entanto, continua a ser possível ler autores nacionais que admitem a possibilidade do Tratado Orçamental ser revisto, embora não se vislumbre qualquer possibilidade disso acontecer.
Muitas análises que tenho lido sobre as próximas eleições omitem um importante aspecto do funcionamento da UE. Na realidade, e ao contrário do que afirmam soberanistas e eurocépticos, o processo de decisão reflecte os interesses nacionais, embora em amálgama e mínimo denominador comum, o que justifica a natureza complexa e labiríntica da política europeia, bem como a percepção de ineficácia.
Esta é a razão pela qual os Estados membros não abdicarão do seu privilégio de escolher o próximo presidente da Comissão, mesmo que a respectiva eleição seja contestada por uma parte do Parlamento Europeu e mesmo que essa escolha não espelhe exactamente a ‘vontade popular‘ da votação. Se Juncker ou Schultz forem eleitos, isso reflectirá o interesse da maioria dos países.
Na UE, as principais decisões políticas são tomadas pelos governos, reunidos em Conselho Europeu, onde cada país tem uma proporção de votos equivalente à sua proporção populacional. As minorias de bloqueio são difíceis de reunir, mas isso é sempre possível. Essas decisões entram depois num elaborado pipeline legislativo que envolve comissão, governos, parlamento europeu e parlamentos nacionais. Entre a discussão e a aplicação das normas costumam decorrer dois ou três anos, pelo que a fábrica de leis europeia tem actuação extensa, lenta e repleta de momentos em que os países de facto preservam o controlo. A excepção é quando há dinheiro envolvido e aí o chamado método comunitário tem sido substituído pelo intergovernamental, onde os países que passam o cheque tomam a decisão.