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Pedaços do mundo e grãos de areia
A crónica de Fernando Sobral, 'Pulo do Gato', no Jornal de Negócios, a qual reproduzo aqui ipsis verbis porque, a bem dizer, nada tenho a acrescentar (excepto o post scriptum no final):
Verdade ou consequência?
"Hélder Reis, secretário de Estado do Orçamento, num momento de criatividade digna de Walt Disney, virou-se para quem o estava a escutar e disse: “Eu sou como o Pinóquio: quando minto, o meu nariz cresce. Não está a ver o meu nariz a crescer – eu não estou a mentir”. Não se sabe se Pinóquio ficou comovido com tão bondosa comparação, até porque ele foi esculpido a partir de um tronco de madeira. Mas temos a certeza que o secretário de Estado não estava a falar num café com os amigos. Nem a fazer um discurso aos fãs. Nem a concorrer à fase final de uma “stand-up comedy”. Estava no Parlamento, na comissão de Orçamento e Finanças, a falar com deputados eleitos pelo povo e que conseguem perceber o que diz. Ou seja, não estava no meio de uma chacota ou num concurso de piadas. O secretário de Estado pode-se comparar com Pinóquio, com o Franjinhas, com o Urtigão ou com o Peninha. É um direito que se lhe assiste. Mas, nesse momento para lamentar, estava a falar sobre um assunto sério: o destino dos dinheiros da ADSE. Não estava a jogar o Verdade ou Consequência. Não estava à espera, depois de se ter colocado como sósia de Pinóquio, segundo o elogio próprio que partilhou com os deputados, que chegasse um Grilo Falante para o acalmar. E deveria ter vindo. Se a política fosse uma coisa séria neste país, Hélder Reis teria saído do Parlamento como secretário de Estado do Orçamento e entrado no carro ministerial como ex-secretário de Estado do Orçamento. Mas como cortar salários ou criar impostos é um divertimento neste país, ele continua em funções como se nada se tivesse passado. A questão não é o secretário de Estado estar a dizer mentiras ou verdades. É a forma como fala com aqueles que são os representantes da democracia".
P.S. Comunicacionalmente, com este pseudo sound bite, o secretário de Estado conseguiu trazer para o lado do Governo uma associação antiga; Sócrates-Pinócrates, contribuindo assim para a destruição (e a construção de outra em sinal simétrico) de uma percepção até aqui instalada. Mas esse será tema para outro post e conversa.
Por vezes apaixono-me platonicamente pela Maria João Marques, quando a leio. Exemplo? Este post onde fala de um álbum que é dos mais extraordinários (ou seja, fora da norma) de todos os da saga do herói criado por Hergé. Quanto ao resto do que escreve a Maria João, não liguem. Deve ser sobre política mas sobre isso não me pronuncio, porque percebo nada (Smile, wink, wink).
No dia 4 de Junho de 2009, despedi-me do blogue colectivo de apoio à candidatura de Paulo Rangel nas anteriores europeias com um último post citando Ralph Waldo Emerson, o qual traduzo agora livremente: “Aqueles que se mantêm afastados das eleições pensam que um voto não mudará para melhor. O que é apenas mais um passo para pensarmos que um voto não mudará para pior”.
Esse foi um blogue que (pedindo desde já desculpa pela ausência de links) juntou Afonso Azevedo Neves, Ana Margarida Craveiro, António Pinho Cardão, Duarte Calvão, João Gonçalves, José Gomes André, Luís Rocha, Manuel Pinheiro, Maria Isabel Goulão, Maria João Marques, Nuno Gouveia, Paulo Tunhas, Rodrigo Adão Fonseca, Rui Oliveira e Vasco Campilho, entre outros que poderei estar alfabeticamente a esquecer.
Cinco anos depois, a pouco mais de um mês das eleições europeias, afastado da campanha de qualquer coligação ou partido, não consigo objectivamente ver - em qualquer dos lados envolvidos - uma estratégia, uma visão e uma linha de acção capaz de apelar ao voto e motivar os eleitores, em torno das questões que preocupam o eleitorado português no que respeita à nossa relação com a Europa.
Durante anos, Portugal beneficiou em muito mais do que julga e do que foi visível do facto de ter um português como presidente da Comissão Europeia. Em Bruxelas como em Estrasburgo, o exercício do cargo por Durão Barroso permitiu abrir portas, as formais e as informais, no complexo labiríntico que enforma o processo decisório europeu. Esses tempos terminaram e não cabe aqui a análise dos resultados, apenas uma mera constatação pragmática.
Igualmente pragmática é a minha opinião de que a mensagem política principal e motivadora, para o eleitorado nacional nestas eleições - aquela capaz de clarificar, nos seus pressupostos e opções, quais as efectivas consequências para os Portugueses decorrentes da opção de voto.
Comparando a última campanha de Paulo Rangel com a actual, não quero nem posso impedir-me de afirmar que não é o facto de a lista do Partido Socialista ter mais ou menos nomes de anteriores governos despesistas do PS que contará na altura em que as pessoas tiverem que trocar um eventual dia de sol na praia, ou de chuva em casa, por uma ida às urnas. O que conta, e contará sempre, é aquilo que objectivamente for percebido por essas pessoas como capaz de influir no seu dia-a-dia futuro, já de si pessoal e familiarmente perto do ingerível, caótico e socioeconomicamente complexo.
O Português comum – arrisco-me a especular, admitindo-o embora com alguma base em sondagens e informações dispersas - não quer saber de referendar tratados que desconhece e que não são aliás referendáveis ou de saídas do Euro para o regresso a uma moeda que deixou de existir. O que o Português comum quer é perceber se, com o seu voto, colocará nas instâncias europeias uma equipa capaz de garantir que Portugal não cairá na obscuridade e continuará a ser capaz de ter voz nas áreas que são cruciais para o desenvolvimento do País; O mar e as pescas, a agricultura, a criação de empresas e emprego, a educação ou a cultura (e basta olhar neste último caso para o desconhecimento actual sobre os 1,7 Mil Milhões recém-disponibilizados na área das chamadas indústrias criativas)...
Se esta campanha for uma espécie de vale tudo, terá eventualmente audiências. Se for direcionada para a troca de sound bites dirigidos ao umbigo do adversário, terá certamente a alegria dos comentadores políticos. Não terá é votos.
Ralph Waldo Emerson tinha razão. Mas não basta apelar ao voto dizendo que o não voto tem também o seu efeito. É preciso entender que, para que o voto exista como consequência, são necessárias causas. Se a ideia é que estas eleições sejam ofuscadas pela poeira de cada dia, os partidos podem desde já começar a pensar o que fazer às bandeirinhas que tantas vezes em campanhas são produzidas, na inversa proporção das bandeiras de que se esquecem ou abdicam.
Sondagem à boca das urnas indica o Fidesz com 47%, portanto perto da supermaioria; a coligação de esquerda foi subestimada nas sondagens, ficando no segundo lugar, com 27%; a extrema-direita ficou abaixo das expectativas, em terceiro, com 18%; os liberais (LMP) entram no parlamento, com 6%, elegendo assim mais deputados do que teriam eleito integrados na coligação: daqui a quatro ou a oito anos podem ser o fiel da balança.
Não queria escrever sobre a Hungria, por achar que não vale a pena tentar combater mitos tantas vezes repetidos, mas fiquei perplexo ao ler no Público uma notícia sobre as eleições legislativas húngaras, ainda por cima sendo o texto escrito por uma boa jornalista. O que se passa com o jornalismo português? A que se deve esta superficialidade militante? Pensei em escrever um comentário no jornal online, mas não consegui. Também não posso colocar aqu o link para o artigo, mas julgo que ele merece uma crítica.
O que me espanta não é apenas a repetição de banalidades que podemos encontrar em maus textos de opinião, mas erros factuais numa notícia. Por exemplo, devido a embirrações pessoais, o LMP (É Possível Outra Política) não integra a coligação de esquerda, que tem cinco formações, incluindo um partido liberal com sigla parecida. O LMP concorre sozinho e pode atingir os 5% mínimos para entrar no parlamento. Convém explicar que Gordon Bajnai não é centrista, mas tal como é dito liderou o último governo socialista; e convém lembrar que os socialistas perderam em 2010 por causa da corrupção e da falência do país e do FMI e da austeridade. E também da repressão de manifestações (mas, ao contrário do que é dito, estas eram pacíficas).
Quando os mitos são mais fortes, publique-se o mito. No caso da Hungria, torna-se impossível compreender as razões de um voto tão esmagador num partido, o Fidesz, que integra o PPE, sendo portanto parceiro do PSD e do CDS a nível europeu. Não se trata, pois, de uma qualquer formação extremista ou alucinada. Tem defeitos? É evidente, mas falem deles.
A Bomba Inteligente fez onze anos. Gosto de ler o blogue de Carla Quevedo, pelo bom gosto, a criatividade, a cultura da autora. Parabéns pelo serviço público.
Manuel Jorge Marmelo encanta-nos com a sua belíssima escrita em Teatro Anatómico, onde também podemos ver algumas fotografias de alta qualidade.
Esta crónica de Pedro Rolo Duarte é uma lição de sabedoria.
João Oliveira faz um útil serviço aos leitores em Sentido dos Livros.
Filipe Nunes Vicente, um dos mais cultos e preparados autores da blogosfera portuguesa, lançou uma nova proposta: Nada o Dispõe à Acção.
E uma ligação ao portal de literatura húngara (em inglês), para compensar das parvoíces que vamos ouvir sobre a Hungria nos próximos dias, após as eleições.
E este link literário faz uma boa ligação a Cidade Conquistada, de Oskar Shidinski, em torno do qual gira Uma Mentira Mil Vezes Repetida, de Manuel Jorge Marmelo, que já devia estar traduzido em húngaro (e não só). Uma Mentira Mil Vezes Repetida é um excelente romance, merecedor de um prémio prestigiado (Casino da Póvoa-Correntes d'Escritas); leitura fascinante, repleta de pequenas histórias que revelam a imaginação delirante do autor, num ritmo perfeito, com personagens enigmáticas e muitas boas ideias.
O País das indignações de sofá saiu hoje em defesa da vida virtual. Isabel Jonet, uma pessoa que trabalha com pobres, reconheceu numa entrevista que muitos desempregados se agarram excessivamente às redes sociais, passando ali demasiado do seu tempo, entre ilusões e pseudo-amigos. Esta opinião polémica devia fazer-nos reflectir, mas causou furor e raiva, motivando a revolta de muitos e a excitação de outros. A irritabilidade bem-pensante de uma certa elite é um dos elementos mais reveladores da doença social que tenho tentado abordar nos meus textos recentes: refiro-me ao desfasamento entre a vida real e o País mediático, que é cada vez mais notório, pois as elites já vivem de facto no facebook, nas suas festas irreais, na sua existência perfeita e protegida, na sua revolta pedante.
Por isso, o desemprego é uma mera abstracção, da qual se fala com spleen e enfado; os desempregados são seres distantes, e bem podem passar o seu tempo a trocar receitas, discutir o sexo dos anjos ou a escrever posts inflamados contra o Governo. Isabel Jonet recomenda que procurem o voluntariado? Pois isso é um horror social. Ela alerta para a existência de um problema social mais fundo e que não se percebe nas estatísticas? Pois, isso não importa nada. Queremos a espuma.
Os simplistas desconhecem que um dos maiores problemas pessoais de um desempregado é a perda da sua auto-estima, o perverso sentimento de vexame que o faz cair facilmente numa sedutora ilusão da passagem do tempo. No Facebook, onde todos os seus amigos desconhecidos são tão maravilhosos, é exactamente a auto-estima o que ele irá perder mais depressa.
Parte da sociedade portuguesa vive numa espécie de estado de choque feito de hipocrisia e negação. O País mediático recusa-se a discutir o essencial e entrou num processo de recusa sistemática da realidade. A impunidade é a regra geral e quando um jornalista faz perguntas isso equivale a uma emboscada. Muitos dos responsáveis pela situação em que nos encontramos são agora intocáveis líderes da opinião.
Estamos a dois meses do fim do programa de ajustamento e não sabemos o que nos exigem no pós-troika. A discussão é tabu. Estamos a dois meses de eleições europeias e não há um único debate sobre Europa; ninguém menciona as mudanças em curso e que teremos de acompanhar. Só se fala de fantasias, por exemplo, sobre os futuros mecanismos de mutualização de dívida que não vão existir, pois precisariam de alterações de tratado ou da improvável aceitação eleitoral nos países credores.
A ideia de restruturação da dívida é um exemplo de discussão lateral. Ela visa condicionar as eleições europeias e embaraçar os partidos, impedindo uma eventual vitória clara de António José Seguro e um resultado razoável da direita. É preciso que ambos percam em grande, para que as reformas possam parar. Há forças políticas que, não podendo derrubar o governo, querem que o pós-troika seja um regresso ao passado. E, no entanto, para que o País possa cumprir o Tratado Orçamental, será necessário continuar a agenda reformista e cortar mais 5 ou 6 mil milhões de euros na despesa pública, ao longo dos próximos três anos. Isto exige alterações Constitucionais e um acordo entre os maiores partidos, sendo a alternativa, a prazo, a saída da zona euro. Ou seja, o pós-troika implica manter o rigor orçamental, sem fazer cedências ao populismo ou à fantasia.
A economia começa a dar sinais de recuperação, mas a comunicação social dedica grande parte do seu tempo a tentar negar este facto. Durante três anos foi recusada a inevitabilidade do resgate e ignorada a própria situação de falência: o País estava condenado à espiral recessiva, à insurreição, ao empobrecimento radical, ao segundo resgate e ao diabo a quatro. Nada disto se concretizou.
Enfim, a estratégia alemã na crise das dívidas soberanas deu resultado, mas o noticiário é apenas anti-alemão e transmite a imagem falsa de uma Europa à beira do colapso. Portugal terá de concluir a reforma do Estado, sobretudo da segurança social, e isso implica um acordo alargado entre partidos, mas a discussão encontra-se bloqueada. Fala-se apenas do acessório e não admira que as pessoas, tomadas por tolas, deixem de ler jornais ou de ver noticiários.
O resultado das eleições municipais em França levou comentadores a concluir que a extrema-direita terá nas próximas eleições europeias um resultado capaz de ameaçar a construção do próprio projecto europeu. Julgo que a conclusão é apressada. Estamos muito longe de qualquer revolução anti-liberal ou até de uma ameaça à democracia. Algumas notas:
1
As sondagens indicam que os extremos poderão crescer na configuração do próximo parlamento. Os partidos reunidos no grupo da Esquerda Europeia vão certamente aumentar a sua representação. Na Grécia, o Syriza pode vencer as eleições e na República Checa os comunistas ortodoxos terão à volta de 16%. Embora o número de eurodeputados seja reduzido de 766 para 751, o grupo comunista deve passar dos actuais 35 para mais de 50 membros.
2
Na direita, a situação é um pouco mais complicada, pois há partidos eurocépticos (por exemplo, Verdadeiros Finlandeses) com grupo parlamentar e dezenas de deputados de extrema-direita não-filiados, cujos partidos não colaboram a nível europeu devido à sua retórica nacionalista, que facilmente entra em conflito com a de partidos semelhantes em outros países. Esta franja política vai provavelmente conseguir formar grupo parlamentar (sem o qual a actividade dos deputados é limitada), embora ninguém saiba ao certo que alianças serão possíveis. A Frente Nacional francesa e o partido de Geert Wilders, na Holanda, terão boas votações, mas para formar um grupo são precisos 25 deputados de sete países.
Os partidos da extrema-direita que moderaram o discurso são nacionalistas, anti-europeus e anti-imigração, mas não se podem aliar a congéneres mais radicais anti-semitas ou anti-ciganos. Todos eles tentarão aproveitar o voto de protesto, usando argumentos anti-capitalistas, proteccionistas e anti-liberais. Marine Le Pen não quererá associar-se à extrema-direita tóxica (os húngaros do Jobbik, os gregos da Aurora Dourada, os austríacos do FPO, além de outro pequeno partido sueco, todos capazes de eleger eurodeputados).
3
O voto de protesto europeu será forte em Itália, onde o movimento de Beppe Grillo está em terceiro lugar nas sondagens, colado à Forza Itália; os eurocépticos ingleses (UKIP) devem ficar em terceiro lugar no Reino Unido e a Alternativa para a Alemanha (anti-euro) pode ter uma boa votação, mas não se sabe onde vão caber as formações novas. Se se juntarem à direita eurocéptica, onde se encontra o UKIP, este grupo ficará muito reforçado.
4
Se os conservadores ingleses mantiverem o seu grupo não federalista com os polacos da Lei e Justiça, que devem vencer no seu país, é natural que a direita do parlamento europeu se divida em quatro grupos, em vez dos actuais três: além dos conservadores, não federalistas e eurocépticos, haverá um grupo de extrema-direita. À esquerda estarão socialistas, verdes e comunistas, ao centro os liberais. Ao todo, haverá oito grupos em vez de sete.
5
As sondagens indicam um potencial empate entre socialistas e conservadores. Os primeiros (S&D) ganham em Itália, Reino Unido, Portugal, Espanha, Roménia e Suécia; os conservadores deverão vencer em França, Alemanha, Finlândia, Hungria e Áustria mas terão bons resultados, muito à frente dos socialistas, também na Polónia e Grécia. O PPE, onde se agrupam estes partidos, deve perder deputados, mas poderá mesmo assim ficar à frente na corrida, embora por margem mínima.
6
Em resumo, o voto de protesto será forte em alguns países, mas sem alterar o equilíbrio fundamental entre os dois colossos do parlamento (PPE e S&D). O partido mais votado deve escolher o presidente da Comissão Europeia. No resto, conservadores e socialistas, que em conjunto terão mais de 400 dos 751 deputados, tenderão a fazer um bloco central ainda mais próximo do que os entendimentos tradicionais do Parlamento Europeu. Contarão ainda com o apoio regular de liberais, verdes e, em certos casos, dos anti-federalistas. Os extremos (comunistas, fascistas, populistas) serão mais audíveis, mas incapazes de alterar o essencial.