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O ano da viragem

por Luís Naves, em 27.12.13

A calamidade nacional tornou-se numa espécie de verdade bíblica e quem tente transmitir uma versão menos fatalista da realidade é imediatamente colado às forças infernais da propaganda. Tudo o que não seja idêntico ao que dizem os acrobatas da opinião será, na melhor das hipóteses, ignorado. A comunicação social habituou-se aos tons sombrios, pelo que uma boa notícia vem geralmente na sua versão negativa ou na mais confusa possível.
E, no entanto, é provável que no próximo ano se verifique ligeiro crescimento económico, provavelmente até criação de emprego. A economia deixou de cair na segunda metade de 2013 e a maior incerteza estará no ritmo da recuperação. O programa de ajustamento termina em Junho e o FMI sairá das nossas vidas (sem deixar saudades), mas tudo aponta para a negociação de um programa cautelar suportado pelos europeus, envolvendo um empréstimo de 16 mil milhões de euros durante um ano, dinheiro que pode ou não ser utilizado.

 

Julgo que 2014 será lembrado como o ano em que a crise acabou.
Isso significa que Portugal regressará aos mercados, com parte das reformas estruturais feitas e a economia mais competitiva. Os fundos europeus darão impulso adicional à recuperação. Depois do mito da espiral recessiva, começa a diluir-se também o mito da necessidade de reestruturar a dívida, pelo menos em conflito com os credores. Assim, as maiores incógnitas serão políticas: até que ponto haverá novos chumbos do Tribunal Constitucional e até que ponto sobreviverá um governo que revela sinais de grande fragilidade e que perdeu o alento reformista?
Nestes três anos tão difíceis, os sacrifícios dos portugueses foram mal distribuídos, mas o facto é que começamos a sair da crise, embora ainda de forma vacilante. Em 2014, o País entrará numa nova fase, sem programa de ajustamento, mas forçado pelas circunstâncias (e pelos tratados europeus) a cumprir regras de rigor orçamental. Os futuros governos terão a obrigação de equilibrar as contas públicas, o que significa que será sempre nítido o dilema entre contenção na despesa ou impostos elevados.

 

publicado às 18:18

Navegações

por Luís Naves, em 24.12.13

Ana Cristina Leonardo, em Meditação na Pastelaria, oferece aos seus leitores este belo presente de Natal. A autora não esclarece se é conto ou fragmento de novela, mas estamos perante um exemplo soberbo da melhor tradição literária. Como leitor, o meu obrigado.
Por falar em tradição literária, leia-se este notável conto húngaro (infelizmente, apenas a versão inglesa do texto). Notem a diferença de estilos, o tom brutal e directo de Szilárd Borbély, cuja prosa é menos lírica e deambulante do que no caso da autora portuguesa.
O texto húngaro tem evidente intenção política e está ligado a outro conto clássico, de Miklós Mészoly, sobre ratos, tornado famoso pela alegoria anti-ditatorial, à época muito atrevida.
Nunca percebi a razão de haver tão poucos especialistas em conto na nossa literatura (tirando alguns excelentes, como Rodrigues Miguéis, Miguel Torga, Urbano Tavares Rodrigues, Cardoso Pires ou Mário de Carvalho). Como se vê no exemplo acima, há quem escreva ao nível do melhor que se faz em países onde existe o gosto e a tradição da história curta.

 

Por falar em literatura (e em conto), uma ligação ao blogue de Manuel Jorge Marmelo, escritor que muito admiro.
Também ao blogue de Rui Ângelo Araújo, Os Canhões de Navarone, onde são frequentes os textos de alta qualidade.


E, finalmente, este texto sobre uma biblioteca e o amor à literatura, por Francisco Seixas da Costa, em Duas ou Três Coisas. 

publicado às 12:36

O cabaz de Natal

por Luís Naves, em 23.12.13

O Estado tornou-se mais débil e os pilares tradicionais da nossa sociedade têm enfraquecido. As pessoas estão a abandonar a religião e as famílias são hoje pequenos resumos daquilo que foram no passado. Em tempos difíceis devia aumentar o altruísmo, mas vemos sobretudo sinais de consumismo e de intolerância.
Uma empresa ofereceu um cabaz de Natal a um desempregado e logo um grupo de activistas foi exigir um cabaz para cada pessoa. Há quem odeie a “caridadezinha” e pense que a prenda para um deve ser para todos. E afirmam coisas destas sem se aperceberem da insensatez do que dizem: se eu oferecer a alguém que necessite tenho de oferecer o mesmo a toda a gente que necessita? A ideia é tão desvairada que só conseguiu que a empresa, que deu a um necessitado, deixe de dar a partir de agora.
O episódio é menor mas mostra a fragilidade da chamada sociedade civil. Ninguém acredita que a resposta para os seus problemas esteja nos partidos tradicionais ou na política do costume, mas também não estará nos gestos intransigentes de movimentos mal pensados. Que delirante problema pode existir na oferta de um cabaz de natal a um desempregado, mesmo do ponto de vista do mais fanático dos militantes?
No fundo, é visível entre nós o triunfo do egoísmo e da hipocrisia. Os egoistas e os hipócritas choram sempre por sacrifícios que não fazem, desdenham oportunidades que não estão ao seu alcance, falam em nome alheio e ficam satisfeitos com a própria estupidez. Neste caso, foram contra a caridade e ficam bem com outros, os do politicamente correcto que são geralmente incorrectos, os da ética que nunca a praticaram e os cheios de verdades inconsequentes que só dizem mentiras.

 


 

publicado às 11:42

Como se os credores não se importassem

por Luís Naves, em 20.12.13

A decisão do Tribunal Constitucional teve várias consequências: a dureza do chumbo implicou a perda de face do governo, que perdeu credibilidade externa; por isso, o resgate vai endurecer; o previsível aumento do IVA afectará sobretudo os mais pobres, que pagam este imposto de forma desproporcionada; a tímida recuperação do emprego está sob ameaça; e, finalmente, Portugal pode tirar o cavalinho da chuva no que respeita a uma eventual saída à irlandesa do programa de ajustamento.
Ontem, nas televisões, foi um festival de gente contente com as desgraças governamentais. Julgo que estes analistas estão equivocados. Se não houver mais chumbos, o País poderá concluir um programa cautelar de um ano, mas as condições serão provavelmente duras e as negociações difíceis. Se houver mais chumbos, o TC empurrará Portugal para o segundo resgate. Este dura três anos, envolve muito mais dinheiro e os credores vão exigir aos partidos condições leoninas. Haverá eleições antecipadas e o centro-direita será provavelmente trucidado nas urnas, mas o custo para a esquerda pode revelar-se demasiado elevado, pois os europeus vão exigir garantias sobre uma revisão constitucional e serão eles a indicar os artigos que pretendem alterar.


Sem resgate, isto era tudo bem mais simples, mas vejam a questão do ponto de vista de Berlim: se os portugueses têm um problema de Constituição, muda-se a Constituição. O TC deixa de ser relevante e não me admirava se os credores nos exigissem um sistema mais presidencial. Os partidos terão de assinar esse memorando com revisão constitucional, ou não haverá mais empréstimos. É isso ou a bancarrota. E não está afastada a hipótese de pesadelo: a Grécia a sair do euro e a levar-nos na água do banho. Seria a ruína da classe média em Portugal e julgo que ninguém deseja como futuro um cenário argentino. Por tudo isto, não compreendo a alegria infantil daqueles que, por detestarem o governo, viram nesta decisão grandes vantagens para o País. 

publicado às 12:13

Como destruir uma boa causa

por Luís Naves, em 19.12.13

Os sindicatos de professores fizeram um péssimo serviço aos seus associados. Uma causa justa, em que os professores tinham a razão, transformou-se numa triste palhaçada, com insultos aos colegas que não tinham alternativa a fazer a prova e arruaças organizadas por minorias histéricas.
As contradições do ministro Nuno Crato são evidentes. Concordo com este post de Shyznogud, em Jugular, e com este texto de Mr. Brown, em Os Comediantes. Os dois autores perguntam e dizem o essencial. Infelizmente, o irrealismo dos sindicalistas radicais começa a ser um problema para os próprios trabalhadores, envolvidos em protestos que nada esclarecem e dando munições ao adversário.


Se o acesso à profissão já teve exames nas escolas de origem, então a prova é inútil. Se, como todos apontaram, as perguntas eram fáceis, a prova é inútil. Se não serve para distinguir capacidades educativas, a prova é inútil. Tratando-se, pois, de uma teimosia do ministro e de excesso de zelo em torno de um conceito ideológico, a prova é inútil. Não estamos perante um caso de humilhação, mas de inutilidade.
Além disso, o ministro da educação usou demagogia barata para convencer a opinião pública. Na entrevista à RTP, Crato perguntou ao entrevistador se não faria uma prova de acesso à empresa onde trabalha, caso lhe fosse solicitado. Ora, não existem provas de acesso à profissão de jornalista, mas estágios, e isso é válido para empresas públicas e privadas. Não existem provas de acesso a muitas profissões, há geralmente concursos a posições pré-definidas, o que não é o caso.

Continuando a manipular, o ministro citou reformas de antecessores, mas “esqueceu-se” da socialista Maria de Lurdes Rodrigues, cujas reformas foram bem mais importantes do que os actuais exercícios de obstinação.

Melhorar a escola devia ser uma boa causa, mas ontem, entre vidros partidos e ministros lamentáveis, todos perderam.

 

Por falar em Mr. Brown, convém ler este texto.

publicado às 12:01

A testemunha (conto da semana)

por Luís Naves, em 18.12.13

Pouco depois, começou a falar. O agricultor Fonseca ouvia, mas distraído. O velho estava a lamentar-se com amargura, mas quem é que, por estes dias, não possui razões de queixa?
   − Tenho muito medo do que aí vem − disse o velho.
   Por um instante, o vizinho Fonseca saiu da sua distracção, lamentando não ter fixado na memória o que ele dissera antes daquela frase. As palavras finais tinham surgido de uma maneira um pouco diferente, como uma dor de alma que era apelo, aviso ou ameaça. Perguntou ao velho que era isso de ter medo, mas recebeu em troca um olhar de desprezo, quase de ódio. Insistiu, queria uma explicação, isto não anda fácil para ninguém, mas a resposta foi o silêncio e, por isso, ficou a matutar que o tom de voz usado tinha sido preocupante, não houvesse ali uma história mais complicada.
   Pelo menos foi isto o que o agricultor contou mais tarde ao comandante dos bombeiros; com aquele aparato todo na aldeia, parecia-lhe importante a frase que ouvira do velho e que fizera tocar as sinetas de alarme, embora sabendo que àquela conversa faltava o início, pelo que nunca as palavras ditas o tinham levado a algum sítio concreto, como aliás acontece com a maioria das conversas em cafés à hora de fecho. Que era isso de ter medo do que aí vinha, tio Jerónimo? Mas o velho ficara calado, a olhar para ele, talvez zangado, ao perceber que falara para uma parede e que essa parede não compreendera nada. E, de súbito, levando o copo à altura dos olhos, o velho dissera “à nossa” e bebera o último bagaço de uma só vez.
   − Mas ele andava preocupado com alguma coisa? − Perguntou o bombeiro.
   − Que eu saiba, não.
   − E o senhor contou a alguém o que ouviu?
   Fonseca respondeu que não e o bombeiro encolheu os ombros, subitamente desinteressado. Deu umas ordens: para que ninguém passasse uma linha imaginária que tentou desenhar com as mãos, pois tinham de esperar pela polícia. E assim se fez, esperaram pela polícia, que chegou quase uma hora depois. O corpo ficou todo esse tempo ali torcido, grotesco, à vista dos curiosos, a cara desfeita pelo tiro, de tal forma que já não se reconhecia o velho, senão pelas roupas.

publicado às 19:41

Navegações

por Luís Naves, em 16.12.13

Um excelente texto de Pedro Correia, em Delito de Opinião, sobre a morte do actor Peter O'Toole. Tive o privilégio de ver Lawrence da Arábia em 70 mm, num cinema que já não existe. Teria os meus 18 ou 19 anos. Sei que não saí daquela sala de cinema a mesma pessoa.

AEfectivamente, de Fátima Laouini, tem uma escrita muito acima da média. Este blogue possui bom gosto e tudo ali é bem pensado.

Outro excelente exemplo da blogosfera culta é A Terceira Noite, de Rui Bebiano. Destaco esta crónica sobre Dostoievski, que me foi mais útil por estar a ler O Idiota, romance onde o autor russo constrói uma fabulosa galeria de personagens.

 

Luciano Amaral faz aqui um dos poucos comentários que vi na blogosfera recente sobre o projecto de referendo na Catalunha. Este tema diz-nos respeito, pois ameaça provocar complicações que podem sair de Espanha. O plano (estapafúrdio) é fazer duas perguntas e as sondagens demonstram que a resposta dos catalães poderá ser ambígua. No texto, comenta-se a posição da Comissão Europeia, que promete toda a espécie de sarilhos adicionais.

Sérgio Lavos, em Arrastão, tem razão num aspecto: o Governo cometeu o erro crasso de dizer que queria ir além da troika, afirmação incompatível com os actuais lamentos sobre os erros do programa. Se aquilo era irrealista, para quê ir além? Há um erro no texto sobre o défice de 2010, que não era conhecido em Abril de 2010, mas de 2011. Tirando a gralha, o texto também mostra que a esquerda não esquece nada e não aprende nada. Sair do programa da troika é o melhor objectivo que nos resta. E havia alternativa à troika? É evidente que não, por mais que se reescreva a História.

Luís Aguiar-Conraria, em Destreza das Dúvidas, faz um bom resumo sobre as contradições dos nossos políticos.

publicado às 13:11

Teimosia comunicacional

por Luís Naves, em 15.12.13

O núcleo de poucas centenas de pessoas com acesso a meios de comunicação de massas contribuiu para criar um clima de elevado pessimismo no País. Estes políticos, jornalistas, académicos e intelectuais criaram uma verdade escrita em mármore que faz uma péssima descrição da realidade. Basta abrir jornais ou ler os blogues. Não existe resgate nem troika, nem sequer um contexto europeu adverso. Não temos credores. Não ocorreu uma pré-bancarrota nem houve anos de loucura despesista. Não foi acumulada dívida, forçando a consolidação das contas do Estado. E não tivemos uma década de estagnação económica. Esse passado simplesmente não existe. Antes da troika, tudo corria bem. Nos comentários, nunca são explicadas as razões profundas das medidas de austeridade, antes atribuídas à pura loucura dos seus autores.

O pior é que não muda o discurso desta elite. Pelo contrário. Apesar dos sinais de que Portugal tem boas hipóteses de vencer a crise, o delírio intensifica-se. As previsões de violência nunca se concretizaram, nem houve espiral recessiva, não existe nenhum colapso social. Os que antes fizeram conjecturas do género, agora desvalorizam os mínimos indícios de recuperação económica. O pessimismo transformou-se em teimosia e nada disto parece lúcido.

publicado às 17:11

Conto da semana: Nas vilas pequenas

por Luís Naves, em 13.12.13

 

Fazia tudo para que os outros o vissem como pessoa de grandes qualidades pois, no fundo, tinha medo que pensassem mal dele. Em certa ocasião, metera-se na política, mas se procurou ali o conforto do respeito, enganou-se redondamente. Escolhera mal o partido e isso valeu-lhe dissabores, quando se viu na oposição e, sobretudo, com menos clientela. A mulher, Leonete, convenceu-o a deixar-se dessas parvoíces, mas ele ficara com o bichinho da ambição, ideia que lhe fazia constante comichão na cabeça e que não conseguia de todo afastar do núcleo dos pensamentos íntimos: Figueiró era demasiado pequena para ele.
   Como é que eu sei disso? Sei porque fui seu confidente. Um dia, contou-me tudo sobre os fantasmas que o atormentavam. Tínhamos bebido em demasia; ele tinha, certamente, eu estaria mais sóbrio. Nessa noite, revelou-me o coração frustrado, mas só nessa ocasião. Em Joel, era como se houvesse uma mágoa mais profunda a dirigir as coisas.
   − Falhei em tudo, − disse-me ele.
   Embora a nossa amizade tenha sobrevivido àquela confissão, Joel nunca mais falou comigo com a mesma franqueza. Não podia ser de outra forma. É assim nos lugares mais pequenos: convém guardar tudo bem aferrolhado na alma ou um dia o mundo saberá das nossas mazelas.
   Quem venha de fora e passeie um bocado por Figueiró, ao fim de dez minutos estará a repetir ruas. A vila tem um jardim, a escola secundária nova e sem alunos, os correios, uma igreja com torre de sino e a câmara municipal. As casas são baixas, no máximo com dois andares, algumas com loja. As ruas mais compridas são as que acompanham as estradas de saída; uma delas desce para o vale e as casas andam coladas à estrada. Em Figueiró não há muito para fazer, excepto a missa de domingo, as horas passadas no café a ver a bola, a feira às sextas, os passeios no jardim.
   Joel fazia esta vida, arrependido de ter ficado na terra onde nascera. Havia meses em que ninguém aparecia no escritório de advocacia. Felizmente, não pagava renda e tinha as propriedades para gerir. Ao todo, oito nas redondezas, mais as quintas em outras duas aldeias, o que lhe dava rendimento suficiente. Embora se considerasse advogado, era na realidade um agricultor. Chegara a pensar lançar-se no comércio, mas desistira. Aliás, desistira de muitos entusiasmos anteriores.
   Algumas pessoas viam nele apenas o tipo fracassado, que prometera muito e fizera pouco. Quando não estava presente, aproveitavam para o desdenhar, pois havia também alguma inveja, ou antes, satisfação, pois a promessa esfumara-se e agora parecia mais um igual aos outros, a voar baixinho. Adivinhava-se esta sentença também na maneira como o calavam quando se lançava numa explicação qualquer. No passado, sobretudo na universidade, em Coimbra, ofendia-se facilmente com estas interrupções: ainda não tinha acabado a frase e já ouvia a objecção do interlocutor. Mal abria a boca, mal explicava a sua ideia, e já o contradiziam, quase sempre antes de poder explanar completamente o seu ponto.
   Na famosa confissão, com uns copos a mais, queixou-se muito disso: antes de casar com Leonete nunca se apercebera que a rapariga o interrompesse nas conversas. Talvez fosse cegueira temporária ou má avaliação, algo assim, mas o que verificou depois de casarem foi a incapacidade de terminar uma frase. Não houve transformação súbita, nada disso, apenas um daqueles processos lentos que ocorrem por vezes nos casamentos e que mudam as pessoas sem que elas possam sequer aperceber-se da mudança. No seu caso, Leonete perdeu devagarinho a beleza fulgurante que tivera antes da boda e ficou faladora e petulante. Joel tornou-se ensimesmado e deixou de se ofender quando alguém, desvalorizando a sua opinião, o interrompia.
   Agora, que tinha dois filhos, um rapaz de oito anos e uma menina de seis, a sua vida era tranquila e passava devagar. E, no entanto, Joel nunca deixou de se preocupar com aquilo que os outros pensavam dele. Era a sua principal fraqueza, ao lado da solidão pachorrenta e da insatisfação nas tardes frouxas, entre os muros limitados de Figueiró. Ele sentia ali o tempo desperdiçado em pequenos nadas e sonhos vagarosos, como se fosse água a correr na fonte.


 

publicado às 18:58

O desespero histérico

por Luís Naves, em 13.12.13

Passos Coelho tem a sorte de ser subestimado pelos adversários. Ontem nas televisões algumas reacções à entrevista do primeiro-ministro estiveram próximas do desespero histérico, sobretudo de figuras do PSD que contavam poder derrubar o governo nos próximos meses e forçar eleições antecipadas em Junho.
O programa cautelar dura um ano e equivale a um empréstimo, que pode ou não ser utilizado, equivalente a 10% do PIB, ou seja, no máximo 16 mil milhões de euros. Na entrevista, o primeiro-ministro foi relativamente claro: o PS não tem margem de manobra na assinatura desse programa cautelar; se a oposição exigir eleições antecipadas em troca da sua assinatura, o governo dirá não; por outro lado, o PS não pode ficar fora do processo, ou no final do programa todos os méritos irão exclusivamente para PSD e CDS; se a troika exigir a assinatura do PS em troca do programa cautelar, o governo pode dar-se ao luxo de dizer não, arriscando uma saída à irlandesa. Só o segundo resgate fará cair este governo e o segundo resgate parece cada vez menos provável.
O programa cautelar implica assim o prolongamento da vida do governo de Passos Coelho até 2015, quando já houver suficientes boas notícias económicas para reclamar que os sacrifícios valeram a pena. O PS terá tempo para mudar de liderança e a actual liderança do PSD terá tempo para sobreviver até um momento eleitoral que lhe será muito mais favorável.

publicado às 12:18

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Autores

João Villalobos e Luís Naves