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Este artigo foi publicado no Geolitico, uma espécie de Huffington Post alemão.

Podem ler o original aqui.

O tema foi a reacção a um artigo anterior onde tentei explicar as consequências negativas de uma eventual saída do euro. Os leitores responderam de forma bastante hostil, mostrando que este assunto é controverso. No fundo, os alemães estão a discutir o futuro da Europa e a argumentação conclui facilmente que Portugal deve sair do euro para se salvar dos efeitos da austeridade.

Isto foi escrito antes da Irlanda decidir não pedir o programa cautelar.

Aqui segue o texto:

 

 

Portugal vai ultrapassar a crise

 

Na Alemanha e em França há debates sobre o futuro da zona euro. Os políticos populistas dizem que o contribuinte alemão (ou francês ou outro) não deve pagar pela preguiça do sul. O argumento pode até ser mais sofisticado do que isto, mas demonizar o outro é uma das mais antigas estratégias políticas. Penso que o verdadeiro objectivo dos demagogos modernos é uma fantasia: o regresso ao tradicional equilíbrio de poderes que existia antes da União Europeia.

Em texto anterior que publiquei no Geolitico, tentei argumentar que os problemas de Portugal são também problemas europeus e que a interligação entre diferentes países é tão profunda que uma eventual divisão da Europa seria péssima para toda a gente. Todos os produtos são feitos em diversos lugares ao mesmo tempo e as ligações financeiras tornaram-se demasiado complexas para serem destruídas em meses ou até anos.

Alguns grupos políticos gostariam de ver a integração europeia parar ou regredir. Mas tudo está ligado e a opinião pública não leva isso em consideração, por isso muitas pessoas vão provavelmente votar em movimentos nacionalistas ou populistas. Apesar de tudo, acredito que provavelmente a integração europeia vai acelerar nos próximos dez anos. Portugal terá de se preparar para esse salto em frente. A alternativa é ser um país irrelevante, não da periferia, mas do círculo exterior.

 

Isto não é sobre dinheiro

Este tema tão complexo exigiria vários artigos como este. Desfazer a zona euro seria incrivelmente dispendioso, em dinheiro e postos de trabalho perdidos e, ao contrário do que alguns possam supor, não estou aqui a defender que os países do sul necessitem de mais apoio financeiro. Portugal provavelmente não precisa, embora tenha de atrair investimento e empregos, necessite de orçamentos equilibrados e de uma rede social sustentável com os recursos existentes.

Este País está na fase final de um terrível programa de ajustamento que implicou grandes sacrifícios. Fizemos tudo o que nos foi pedido pelos credores: cortes orçamentais durante uma recessão, grandes reduções no emprego público, despedimentos em massa para aumentar a competitividade, aumento de impostos, redução de salários e cortes nos serviços de saúde, defesa e educação. O desemprego explodiu (parece estar agora a reduzir-se um pouco). Fizemos o que nos foi pedido e de repente alguns acham que somos dispensáveis? O que temos ainda de fazer? Lançar-nos da ponte?

 

Regresso aos mercados

A Irlanda está a concluir o seu resgate e há indicações de que os irlandeses poderão em breve regressar totalmente aos mercados. O programa português acaba em Junho, por isso é bastante evidente que a nossa melhor estratégia será tentar chegar à meta. Se abandonarmos uma maratona no 39º quilómetro, o esforço foi bom, mas perdemos na mesma. Está a tornar-se claro que Portugal se encontra em condições de terminar esta maratona.

Penso que em Portugal não haverá ninguém que discorde da seguinte frase: o resgate português foi subfinanciado e o programa de ajustamento demasiado brutal e demasiado curto. Ou seja, em consequência, a recessão (que agora está a terminar) foi mais profunda do que o necessário. Perderam-se demasiados empregos. Estamos a tentar fazer em três anos o que podíamos facilmente fazer em cinco anos. A Europa pediu-nos para nadar com as botas calçadas, o que não é fácil.

A economia portuguesa baseia-se numa rede de empresas muito pequenas (a que chamamos nano-empresas) flexíveis e resistentes. Elas enfrentam um ambiente hostil, pois as suas taxas de juro são mais elevadas do que as da competição europeia, para não mencionar a falta de acesso a crédito. Mesmo assim, as exportações estão a crescer a ritmo anual de 5%, pois os nossos mercados são diversificados (Angola, Brasil, Espanha). O ajustamento também envolveu emigração em larga escala, a ritmo mensal de 10 mil pessoas. Apesar da recessão de -1,8% este ano, a economia portuguesa conseguiu mesmo assim criar 120 mil empregos nos últimos seis meses. Isto não é apenas sorte. Os europeus deviam apreciar estes esforços, em vez de serem paternalistas.

 

Aberto à competição

Para recuperar a sua soberania financeira, Portugal não precisa de abandonar o euro. A soberania será recuperada dentro de sete meses. Na realidade, não existe nenhum partido político em Portugal que defenda a nossa saída da zona euro. Há dois partidos na extrema-esquerda que são contra o resgate da troika e o programa de ajustamento, mas que nunca afirmam “temos de sair do euro”. Sabem que isso seria um desastre.

Este é um país pequeno, completamente aberto à competição externa. Os pequenos países podem mudar depressa, mas sofrem com choques externos. Temos a vantagem da pequenez e da língua (o português é falado por mais de 200 milhões de pessoas), mas há dificuldade em financiar as empresas e a burocracia é um problema crónico. Apesar disto, não precisamos de menos competição, precisamos de mais.

Deixar o euro agora seria destruir tudo aquilo por que lutamos nos últimos anos. Uma calamidade política. O segundo resgate não deverá ser necessário, a não ser que o Tribunal Constitucional bloqueie os cortes orçamentais e leve o governo a aumentar impostos. Saberemos em Março.

Entretanto, o País vê os primeiros sinais de recuperação económica. São ainda fracos, mas existem: um minúsculo crescimento e uma surpreendente criação de emprego, dívida pública a estabilizar em percentagem do PIB, excedente na balança corrente e saldo primário positivo. Em vários aspectos, estamos a imitar a Irlanda (há mesmo indicadores melhores). O resgate foi excessivamente duro, até bastante estúpido, mas começa a funcionar.

publicado às 16:51


Autores

João Villalobos e Luís Naves