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Algumas notas sobre as eleições

por Luís Naves, em 30.09.13

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A análise eleitoral mais completa que li na blogosfera foi esta, de Pedro Correia, em Delito de Opinião, mas encontram-se outras observações muito interessantes, como as de Carlos Loureiro, em Blasfémias; Daniel Oliveira, em Arrastão; e Mr. Brown, em Os Comediantes. Será interessante ver os dados completos, sobretudo o número de votos. Embora ainda falte apurar o resultado em algumas freguesias, julgo que se confirmam as ideias sustentadas nestes textos, sobretudo as seguintes: o PSD teve uma derrota estrondosa e a CDU um avanço significativo; o PS ficou em primeiro e ganhou talvez 20 câmaras, mas provavelmente perdeu votos em relação a 2009. O Bloco de Esquerda teve um péssimo resultado. O CDS perdeu, quando coligado com o PSD; e ganhou, quando separado do PSD.

 

2
As eleições autárquicas constituíram um imenso voto de protesto. Os partidos do governo, somados isoladamente ou em coligação, perderam provavelmente centenas de milhares de votos. Só a contabilidade do PSD pode andar nos 300 mil votos perdidos, face a 2009.
Para mais, no interior do centro-direita decorre uma rebelião. O PSD está esfrangalhado e perdeu bastiões importantes, como Gaia, Sintra, Porto, Oeiras, Coimbra e Funchal, entre outros. Isto terá implicações na política nacional e bastaria ouvir o discurso de vitória de Rui Moreira para perceber que as feridas são fundas: o vencedor do Porto, rodeado de elites da cidade, saudou o candidato socialista ignorando os restantes e gastou metade do discurso a criticar os partidos (ele, que era apoiado pelo CDS) e a falar do candidato do PSD oficial, o derrotado da noite, insinuando que os seus votos não eram do Porto. Esta humilhação desnecessária de Menezes foi de uma arrogância inaturável, a revelar que os ódios são insolúveis. Como se vai isto traduzir na política nacional? É uma perfeita incógnita, mas os sociais-democratas começam a não ter muito tempo para arrumar a casa, adivinhando-se novas fases numa guerrilha interna que mais parece o caminho do suicídio. Restam as vias da negociação (mais provável) ou da purga.

 

3
O Governo tem motivos para estar preocupado, nomeadamente devido aos interesses opostos dos dois líderes da coligação e o respectivo choque de estratégias antagónicas. Onde Paulo Portas e Passos Coelho correram em pistas separadas, o primeiro venceu à custa do segundo. Onde correram juntos, os resultados foram desanimadores. O CDS arrecadou parte da vitória no Porto, feita à custa do PSD. Parece a táctica do salame, onde o PSD faz de salame. Portas vai cortando o adversário às postas, mas elas têm de ser suficientemente finas para não provocar rupturas. Qualquer erro de cálculo, uma fatia demasiado grossa, excesso de ganância, e será o desastre.
Em tudo isto podia surgir uma grande alternativa no PS, mas tal não é visível. Os socialistas ganharam, não há dúvida, mas a dimensão da vitória deixa ambiguidades. António Costa venceu em Lisboa de forma categórica, mas não poderá reclamar a liderança do PS, pelo menos por enquanto. António José Seguro tentou fazer o discurso de futuro primeiro-ministro, mas continuou a soar um pouco estranho. O partido é dele, mas o eleitorado socialista talvez preferisse Costa.
O protesto e o populismo cresceram nestas eleições, com o PCP a monopolizar o protesto. Se virmos as trinta câmaras que contam (capitais de distrito e cidades de dimensão), os comunistas são os grandes vencedores da noite eleitoral, com vitórias em Évora, Beja e Loures, além de uma votação muito acima do meio milhão. É preciso não esquecer que as autárquicas são contaminadas pelo voto útil. Se fossem legislativas, onde os votos úteis são em menor número, as eleições de ontem tinham representado um grande avanço do Partido Comunista no parlamento.

 

4
O que mudou? O cartão amarelo a Passos Coelho não altera o facto de este ter de apresentar, nas próximas semanas, um orçamento com cortes de 3 mil milhões de euros na despesa pública, isto perante a hostilidade aberta do Tribunal Constitucional, a dúvida activa do parceiro de coligação e o som do afiar de facas da poderosa facção de Rui Rio. Portugal ainda não passou nos dois últimos exames da troika e, no mínimo, terá de negociar com os credores um programa cautelar que o coloque ao abrigo da desconfiança dos mercados. O regresso à soberania financeira será penoso.
Passos é um líder enfraquecido que terá de tomar decisões impopulares a curto prazo, num contexto em que a viragem económica tem sinais apenas débeis. A alternativa aos cortes será o segundo resgate, do qual já se fala tão insistentemente que talvez esteja ao virar da esquina. Nesse caso, haverá um horizonte de eleições antecipadas, com o PSD dividido, o CDS convencido de que pode cortar mais uma fatia no salame, o PS com o líder errado, os populistas em alta e o PCP a controlar o protesto da esquerda. E, claro, com o eleitorado profundamente zangado e indeciso.  

publicado às 11:46



Autores

João Villalobos e Luís Naves