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Dinheiro comum

por Luís Naves, em 01.07.25

A Europa caminha para um momento de divisão e paralisia capaz de matar o seu projeto político, a imitar o que aconteceu com o império austríaco, que definhou e estagnou até ao colapso, confrontado com a modernidade e incapaz de se adaptar. O modelo social baseado em pensões (o estado vigente na UE) está agora ameaçado por um projeto ainda mal explicado, o qual visa desviar as poupanças elevadas dos europeus para um mercado de capitais com inovações, recheado de riscos. Para os burocratas, o dinheiro está "parado no banco", pois os cidadãos não precisam de arriscar o que poupam em investimentos mais rentáveis, mas também mais voláteis. Será preciso desmantelar o estado social para convencer a população a investir à maneira americana? O facto é que a Europa precisa de dinheiro: o dilema é correr às poupanças ou aumentar a dívida. É urgente financiar a recuperação económica, mas também pagar o reforço da defesa. Aqui, os europeus agitam o papão russo: Moscovo vai invadir, apesar da abundância de artigos que nos explicam a derrota iminente da Rússia na Ucrânia, onde um exército de bêbados, sem botas nem munições, continua a usar chips de máquinas de lavar roupa.

publicado às 11:31

A Humanidade é melhor do que isto

por Luís Naves, em 20.06.25

É possível que este seja um momento inicial de uma catástrofe da nossa civilização. Aquilo que vemos diariamente dificilmente integra os nossos valores, entre os mais importantes a liberdade, a justiça, a compaixão. Pelo contrário, os militaristas que se dizem representantes do ocidente parecem exercer o exato inverso de tudo isto, a pura maldade, a opressão e a vingança. Não sei o que nos trouxe aqui, mas a distopia em construção tem desigualdades sem limites e um espírito violento que lembra os relatos das guerras de religião do século XVII na Europa, onde a desumanização do outro permitia todos os excessos. As bolhas de privilégio das elites contemporâneas anunciam revoluções imprevisíveis, também já passámos pelas consequências da divisão da humanidade em sub-raças que podiam ser exterminadas ou pelo desemprego em massa das sucessivas vagas de industrialização. Estamos a rever estes processos, mas em escalas cada vez maiores. Parece insustentável e talvez seja. A humanidade é melhor do que isto, mas no passado só vivemos uma transformação de cada vez, agora está tudo a acontecer em simultâneo.

publicado às 11:34

Estados de conflito

por Luís Naves, em 18.06.25

As pessoas querem paz, mas são manipuladas para aceitarem estados de conflito que levam a terríveis tragédias. Os cidadãos não ambicionam apenas viver em sociedades pacíficas, mas desejam que haja equilíbrio e justiça, que sejam mantidos os sistemas de proteção social, o acesso à cultura e a qualidade de vida. A política está a falhar nas vontades básicas da população. Os eleitos não cumprem promessas, vencem eleições com dinheiro das oligarquias e ficam presos a dependências inconfessáveis. Geralmente não sabemos se uma decisão foi tomada em nome de interesses ocultos ou se pretendia o bem geral. A democracia começa a ruir quando a vontade dos eleitores deixa de contar, transformando-se numa teia de traições: este é o terreno fértil da mentira, da corrupção e do medo. A fraqueza resulta da mediatização em excesso e da erosão das instituições, leva ao cinismo e à paralisia. Para se manter, um poder fraco exerce enormes doses de manipulação, exibe uma força que não tem, entra em guerras de alto risco. As sociedades dissolvem-se em agressão e as pessoas deixam de ter qualquer valor, são peões, são dispensáveis.

publicado às 19:54

Preguiça

por Luís Naves, em 15.06.25

Dia de incrível preguiça. Não apetece escrever, não apetece pensar. Não há explicação: é como se entrasse em férias e tivesse necessidade de desligar das tarefas do trabalho e recarregar as baterias. Os seres humanos não são viaturas elétricas, não há nenhum dispositivo no cérebro que se possa desligar durante um tempo. Nunca gostei da preguiça, mas talvez seja verdade que precisamos de parar por vezes, para refazermos a perspetiva do mundo. Nem sequer consigo ler, cheio de sono, no calor extremo. Escrever todos os dias parece mais fácil do que é. O corpo entra em rebelião e a cabeça não obedece, parece que se esvazia a alma, à maneira de alguém que abre as veias. Se for para repensar tudo o que faço, talvez mereça a pena travar o movimento. Tenho demasiada preocupação com a produtividade, tantas palavras por dia, o que é sem dúvida uma tolice. Melhor é pensar em fazer apenas o possível e dentro das minhas limitações, pois a maior parte da literatura foi produzida por criaturas mortais como eu, que andavam meio perdidas e cheias de dúvidas, a pensar constantemente se valia a pena o esforço.

publicado às 09:41

Os diários

por Luís Naves, em 10.06.25

Pequena reflexão sobre a escrita de diários: em primeiro lugar, este género de texto serve sobretudo os interesses de um único leitor, o próprio autor, que pode conferir aquilo que escreveu antes sobre um certo tema ou sobre um período da sua vida. As intimidades são inúteis. As memórias embaraçosas não têm aqui lugar. Remoer ideias não serve para nada. Publicar um diário teria apenas interesse se houvesse poucos leitores, se o autor dissesse alguma coisa de especial, se fosse um bom testemunho da época. Um diário com muitos leitores tem o interesse de uma vida excecional ou dos mexericos, sendo que estes envelhecem mal. Opiniões literárias sobre escritores esquecidos? Qual o interesse? Conta-Corrente (que é um dos modelos do Fragmentário), tem muitas destas coisas e uma extensão excessiva. Vergílio Ferreira podia ter cortado "as farófias", as picadelas do meio literário e as historietas íntimas difíceis de entender. Ao Diário de Torga falta a observação da época (talvez não pudesse publicar o que pensava). Enfim, editar e cortar este diário parece desnecessário. Escrevo para mim e já só leio uma em cada três entradas. O resto é palha até para o autor.

Publico neste blog um quinto daquilo que escrevo diariamente.

publicado às 11:35

Para que serve a opinião?

por Luís Naves, em 09.06.25

Para que servem as opiniões? Agora, é igual ao litro, como se diz. As conversas inteligentes estão a extinguir-se e isso faz parte da nossa época de extremos, uma época em que não se termina um raciocínio, sendo tudo reduzido a fragmentos consumidos fora do contexto, transformados pela maldade da interpretação abusiva. Triunfa a ideia defensiva embrulhada em papel colorido, o pensamento fácil e superficial para consumo das massas. Não queremos dificuldades, que alguém nos lembre que isto não começou no vácuo e que deviam ser consideradas subtilezas. As opiniões deixaram de ser respeitadas, a conversa civilizada desapareceu, todos querem ouvir o eco dos seus pensamentos, a confirmação das suas visões, por mais estreitas que sejam. As opiniões que mais contam, agora, são aquelas que limitam o pensamento dos outros, que condenam e encontram defeitos. Para mais, fala-se para encher tempo de antena, atiram-se coisas para o ar. O que não é memorável perde inércia e é devidamente esquecido. Ficam apenas as impressões, não vale a pena dizer o que se pensa, é como falar na rádio, mas na frequência errada, onde ninguém está a escutar.

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publicado às 12:31

Factos diversos

por Luís Naves, em 04.06.25

Leio textos anteriores deste Fragmentário e, em muitos casos, não entendo bem o assunto que me preocupou. A política envelhece depressa: aquilo que nos surpreendeu era afinal uma brisa a passar levemente. Escrever todos os dias cansa imenso e pode ser inútil. Muitas vezes, caímos na tentação dos factos diversos, da maionese. Podia escrever mais vezes num tom de repórter, mas a minha vida é um filme monótono. As observações seriam triviais, mencionando a gentileza de uma tarde ou o bulício da cidade, a viagem saloia, a reflexão superficial sobre um livro. Podia explicar encontros com os meus contemporâneos, mas sou um eremita e conheço pouca gente. Podia falar das minhas intimidades, mas era um pouco ridículo (quem poderia interessar-se?). Era possível incluir memórias, mas não tenho biografia de jeito e, de resto, a minha memória é péssima. Por isso, escrevo muitas vezes sobre acontecimentos que me pareciam dramáticos na altura, mas que se revelam apenas efémeros. As eleições, o episódio parlamentar, a crise inesperada, as ameaças mundiais, tudo fácil de esquecer. Fascinante nesse dia, mas muita parra para pouca uva.

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publicado às 11:56

O tempo dos perdedores

por Luís Naves, em 03.06.25

A ideia de que a Rússia pode ser vencida não se extingue. Foi política oficial dos EUA até Trump vencer as eleições, com a promessa de acabar com o conflito da Ucrânia. Estão agora no poder novos estrategas, segundo os quais "os EUA não têm qualquer interesse vital na Ucrânia", mas o mundo já não é controlado por agentes racionais: as pressões sobre Trump para punir a Rússia intensificam-se. Há políticos a insistir na ideia de que a Federação Russa deve ser derrotada, basta para isso reforçar a estratégia que até agora não funcionou. Fala-se em "sanções devastadoras" contra Moscovo, que podem ser interpretadas do outro lado como declaração de guerra. Os americanos saem do conflito e os europeus assumem a liderança, tudo indica que vem aí um desastre. Deixei de tentar entender os irresponsáveis, mais aqueles que nas televisões aplaudem estas loucuras. Há uma ideia provocatória de Giuliano Da Empoli, segundo a qual vivemos na Hora dos Predadores; parece-me que estamos, sim, no tempo dos perdedores, de uma elite de rara incompetência. A liderança está cega e tonta, é incentivada por patetas. Como os alucinados de 1914, esta gente defende o indefensável, de que uma guerra geral é a melhor coisa que nos pode acontecer.

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publicado às 19:01

A hipocrisia infinita

por Luís Naves, em 01.06.25

O Ocidente foi anestesiado com a infinita repetição da hipocrisia. A guerra da Ucrânia é até ao último ucraniano (isto é um lugar-comum, mas infelizmente verdadeiro). No entanto, o massacre continua, já na sua forma desesperada, com o firme apoio dos ocidentais, que chamam resistência à obstinação cega de uma guerra por procuração que pode, a todo o momento, transformar-se em guerra nuclear. Uma das frases contemporâneas mais irritantes é a defesa "dos valores europeus", cuja tradução é na realidade "a defesa dos nossos interesses". Israel ataca em Gaza pontos de distribuição de comida e mata dezenas de pessoas, a população está a ser assassinada à fome ou cai em emboscadas nos santuários humanitários que Israel controla, após impedir todos os que não controla. Onde estão os valores ocidentais? Isto não é em nada diferente do Gueto de Varsóvia, até no silêncio da comunidade internacional. Ao menos, no caso do Holocausto, o mundo podia dizer que não sabia, não o pode fazer neste caso. Sabemos perfeitamente, mas temos as mãos atadas. Ministros israelitas dizem com clareza que até as crianças de Gaza devem ser exterminadas, para que não haja amanhã terroristas. Isto não gera indignações, nem sanções, nem nada. O silêncio, a notícia envergonhada, o encolher de ombros. É assim, já estamos habituados à repetição infinita da hipocrisia.

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publicado às 11:37

Crítica ao meu livro

por Luís Naves, em 31.05.25

Ernesto Rodrigues, professor de Literatura e autor, com vasta obra de ficção e de ensaio, publicou aqui uma crítica ao meu livro Almas Artificiais. A leitura do texto poderá interessar a quem frequenta este blog ou a quem conhece os meus livros. Almas Artificiais é a minha primeira colecção de contos. A obra pode ser adquirida na Livraria Martins do espaço Time Out ou neste endereço.

 

publicado às 11:13


Autores

João Villalobos e Luís Naves