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Teoria da domesticação

por Luís Naves, em 09.01.18

Instalou-se a ideia perversa de que os jornalistas têm de ser bacteriologicamente puros, um pouco como acontece com os eunucos no harém, não lhes sendo permitida a opinião, a tendência, a defesa de uma causa ou a simples frontalidade, estando aberto somente o caminho da intriga e da dissimulação. Segundo esta tese, as notícias não têm preferência, como se houvesse fórmulas matemáticas para a sua escolha, como se o jornalista fosse despido de emoções, como se ele não tivesse o direito e até a obrigação de defender, por exemplo, a justiça e a liberdade. Em vez da prosa sem alma, o trabalho do jornalista consiste em estabelecer a relevância relativa dos factos e depois, tentar ficar o mais próximo possível de uma leitura autêntica do mundo, ou seja, contando a história com um máximo de honestidade e espírito livre. Quem não compreenda que o jornalismo é sempre uma versão da realidade acredita no futuro do jornalismo burocrático, supostamente equidistante de tudo, embora a equidistância de tudo seja um lugar inexistente. Claro que há na profissão quem confunda relevância com militância, mas fazer propaganda ideológica nunca teve nada a ver com jornalismo e os leitores têm sempre a liberdade de mudar as suas fontes de leitura. Ou seja, a crítica ao jornalismo de causas baseada em exemplos de acção militante é um tiro ao lado e transforma-se facilmente na defesa da escrita dependente e funcionária que os poderes desejam e que os leitores rejeitam. Esta teoria da domesticação dos meios de comunicação é o velho sonho das oligarquias e a polémica sobre as chamadas fake news não passa de mais um episódio sofisticado desse combate. Têm surgido pequenas tentativas de limitar noticiários ou de legislar sobre o tema, supostamente para aniquilar as chamadas notícias falsas, cujos exemplos, muitas vezes, não passam de interpretações inconvenientes. As elites acham o público estúpido e acreditam que ele necessita de condução inteligente, serão obviamente essas vanguardas políticas a decidir sobre a pureza dos noticiários. A fragmentação mediática (que tem complexos motivos económicos e tecnológicos) ainda está na sua infância e tornou mais difícil a tarefa de colocar mensagens do poder. Governar é hoje mais incerto e a opinião pública está mais dividida, mas a realidade é a inversa daquela que se discute: as fake news são tão velhas como a imprensa, pois sempre houve boatos, desmentidos e manipulação; o que é novo na comunicação contemporânea é a impossibilidade crescente de se esconder informação do público.

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publicado às 12:24



Autores

João Villalobos e Luís Naves