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Outono

por Luís Naves, em 10.08.17

Chamemos-lhe Outono. Tenho 56 anos, com entradas no cabelo e um ventre substancial. Ao envelhecer, não sinto qualquer tipo de sabedoria, apenas um cepticismo algo cínico, e começo a esquecer-me de muitas coisas importantes, de frases de amigos, de pequenas histórias lidas algures, de paisagens ou ambientes. Anteontem, numa livraria, aqui em Szeged, vi que estavam a publicar os diários de Sándor Márai e julgo que aquilo começa em 46 ou 47, no Outono da vida dele, numa altura em que assistiu aos terríveis acontecimentos do pós-guerra; os diários incluem volumes grossos no exílio do escritor e, se bem percebi, Márai escrevia para a gaveta, para não se esquecer, não propriamente para leitores, que os perdera para sempre. E tem um certo horror e um pequeno conforto, isto de escrever para a gaveta. Ao folhear os volumes encontrei uma entrada de 61 com as notícias do dia sobre o paquete Santa Maria e os quixotes portugueses que lutavam pela liberdade. Aliás, o navio foi baptizado Santa Liberdade pelos rebeldes.

publicado às 23:18



Autores

João Villalobos e Luís Naves