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O intruso

por Luís Naves, em 29.11.15

Recusei um comentário de alguém que entrou neste espaço a gozar comigo e a exibir a sua incompreensão sobre aquilo que lera. Não tenho nada contra a incompreensão, mas quem não gostar, pode mudar de poiso. É a chamada liberdade, que exercito a escrever estas divagações e que cada um dos leitores deve exercitar também, lendo ou não lendo o que escrevo. Tenho opiniões e entro em polémicas, mas em outros locais; isto aqui é o meu quase-diário, o meu espaço, embora aberto à curiosidade alheia, o que impossibilita assuntos demasiado íntimos. Podem comentar à vontade, mas não aceito bullying.

O episódio do intruso mostra que para alguns cómicos as redes sociais se transformaram num espaço de traulitada, onde as pessoas com algo para dizer são achincalhadas. Não encontro outra explicação, mas deve haver nestes ódios alguma dose de estupidez nacional. Não me preocupa se um tontinho treslê o que escrevo, pois não escrevo para esses leitores, mas preocupa-me que a minha liberdade seja um incómodo para alguém. Preocupa-me que haja anónimos que se entretêm a tentar silenciar quem passa. Preocupam-me os fanatismos de trincheira. Preocupa-me também o crescente mau uso da ironia. Tudo o que é diferente está hoje ameaçado por estes puristas de tasca. Depois, há os beatos do politicamente correcto, que examinam cada texto com a lupa dos grandes inquisidores. Há ainda certos pedantes, que embora julguem saber muito mais que os outros, nunca aceitam réplicas inteligentes.

Enfim, a blogosfera degrada-se, como se degrada a sociedade portuguesa, a convivência, a civilidade, a cultura. Às tantas, as pessoas recuam para espaços restritos ou perdem de todo a paciência, como eu perdi no twitter, de onde fui escorraçado pela imbecilidade de um deputado da república. Como é que se respondia a um imbecil em 180 caracteres, instantaneamente e sem o mandar bardamerda? Não tive talento que chegasse e aquela não era a minha praia.

publicado às 19:27

As pessoas não mudam assim tanto

por Luís Naves, em 27.11.15

Encontrar por acaso gente vagamente conhecida torna-se cada vez mais um incómodo. Não falo dos amigos, mas dos conhecidos que não vejo há muito tempo. Estou a ficar misantropo, talvez, ou chato. Tenho interesse pelas pessoas e os seus dramas, tudo isso é a matéria-prima de quem queira observar o mundo, mas tornou-se penoso falar de mim, explicar as rotinas de uma vida sem história, responder às perguntas retóricas que não desejam esclarecimento, explicar a olhares cépticos que não se passa nada, que não há novidades. As pessoas não mudam assim tanto, digamos assim, mantêm-se imunes às pequenas convulsões do quotidiano, como aliás acontece com os corpos, que são relativamente indiferentes às oscilações do tempo, à chuva miudinha, ao calor mais ou menos estável da Primavera, à tendência para o frio de um Outono atrasado. Colocamos um casaco e, se chove estrondosamente, abrigamo-nos no umbral de uma porta, até passar a tempestade, mas isso é encarado como normal. Assim fazemos de forma automática com as coisas menores que se passam à nossa volta, quase sem darmos por isso, sem ligarmos muito, sendo difícil explicar em conversa de circunstância que dessa forma vai a vida, à maneira de um tapete rolante que se move sob os nossos pés e que nos obriga a dar à perna, acelerando o passo, para ficarmos exactamente no mesmo sítio.

publicado às 00:46

Exílio interior

por Luís Naves, em 26.11.15

Nos meus dias de exílio interior nem sequer deixo na minha mixórdia de letras uns pózinhos insignificantes de alegria, sal capaz de colocar um sorriso no ocasional leitor. Não há nas matérias circundantes grandes motivos para humorismo. A Europa vive num arrepio de medo, confrontada com radicais assassinos que se movimentam livremente entre países. As liberdades a que nos habituámos estão verdadeiramente ameaçadas e não parece haver soluções para o fanatismo religioso de minorias determinadas: eles só aceitam a nossa conversão ou a nossa morte! De onde virá esta ideia, cada vez mais espalhada, de declínio inevitável, a sensação de termos as mãos atadas, enquanto o nosso mundo se agita em convulsões que nos parecem terminais? No tempo da geração anterior à nossa, havia uma pessoa muito pobre para duas relativamente ricas ou remediadas; no nosso mundo, há dois ricos e cinco remediados por cada pobre. Nunca vivemos tanto tempo, nunca tivemos tanto conhecimento acumulado ou tal longevidade, saúde e liberdade a sério, mas persiste este sentimento geral de falhanço e de colapso iminente. O descontentamento com o desemprego estrutural e com a grande estagnação em que mergulhámos não explica a falta de lucidez em redor, não explica o crescente populismo da política, que deixou de ter causas, para se deleitar na táctica e na intriga.

publicado às 22:44

Novembro

por Luís Naves, em 25.11.15

No final de 1975, Portugal era controlado pelo Conselho da Revolução, uma junta militar de onde tinham sido afastados, em Março, todos os membros conservadores. Em Abril desse ano, nas primeiras eleições livres, e contra as expectativas da esquerda revolucionária, o país votara nos partidos burgueses, mas o conteúdo político da nova Assembleia Constituinte não se reflectia nos governos provisórios que o Conselho da Revolução nomeava. Sob o quinto governo provisório (radicalizado e sem ministros do Partido Socialista, que vencera as eleições) a economia portuguesa estava essencialmente nacionalizada e os revolucionários, usando assembleias populares fáceis de controlar, tentavam apoderar-se das empresas, do aparelho de estado e de todas as instituições civis, incluindo os órgãos de comunicação. No início de Novembro, a Assembleia Constituinte foi cercada, numa evidente humilhação dos deputados eleitos. O país enfrentava três cenários: triunfava a democracia, havia guerra civil ou a revolução evoluía para um processo soviético de tomada de poder.

O golpe militar de 25 de Novembro de 1975 permitiu o triunfo da democracia, mas a elite que beneficiou do regime resultante tem hoje vergonha do que aconteceu naquele dia. Ao pôr fim ao chamado “Verão Quente”, o 25 de Novembro representou o triunfo da facção militar democrática que mais tarde devolveria o poder aos partidos que tinham vencido as primeiras eleições livres e de sufrágio universal. Graças ao 25 de Novembro, Portugal teve uma nova Constituição em 1976, curiosamente hoje defendida sobretudo pelos mesmos partidos que procuraram destruí-la à nascença. Sem o 25 de Novembro, Portugal não seria hoje uma democracia ou teria um regime com mais feridas por cicatrizar. É por isso estranho ver agora os três antagonistas de ontem a tentarem disfarçar as duas trincheiras de 1975: de um lado estava o PS, que liderou com coragem a resistência à tomada de poder pelos radicais; do outro lado, os comunistas e a extrema-esquerda, tentando apoderar-se de um país que os rejeitava ou não compreendia.

publicado às 10:12

Pântano

por Luís Naves, em 22.11.15

Este texto de Rui Rocha, em Delito de Opinião, faz um retrato certeiro da pantanosa situação em que o país mergulhou. A decisão popular expressa nas urnas está a ser ignorada pelos representantes eleitos, o que só pode comprometer a confiança futura dos eleitores nos seus políticos. O descrédito das instituições levará anos a reparar.

António Costa perdeu as eleições, mas terá o seu efémero governo minoritário, devidamente apoiado por uma comunicação social desligada da realidade e que tem perdido a confiança dos leitores que serve. O exército de desempregados foi insultado, com a primeira discussão do novo parlamento dedicada à adopção por casais homossexuais, tema que interessa a duzentas pessoas. Os entendimentos vagos entre socialistas e extrema-esquerda vão soçobrar ao primeiro choque com o contexto europeu. O presidente Cavaco Silva sai da história pela porta pequena e a coligação de direita ainda não percebeu que estará na oposição e que precisa de ser mais inteligente, se não quiser agravar a situação do país.

Vista de fora, a crispação dos debates levaria qualquer observador a concluir que Portugal tem algum problema insuperável, mas o país político desligou-se da nação e as elites separam-se do povo: isto é só caudilhismo e tradicional bazófia, falta de respeito, má educação e mentalidade saloia. A esquerda não aprendeu nada com a sua anterior passagem pelo poder e continua a não assumir as responsabilidades na produção de erros crassos que conduziram o país ao primeiro resgate. Agora, promete repetir com orgulho os velhos erros, criando um clima onde quem berrar mais alto é quem vence. As reformas dos anos de ajustamento serão destruídas em meses e o regresso dos tutores europeus será mera questão de tempo.

publicado às 19:56

O país que resiste

por Luís Naves, em 21.11.15

Lemos os romances de Camilo Castelo Branco e encontramos um país que resiste à mudança como certas bactérias que se riem dos antibióticos. As personagens camilianas são obcecadas com a origem social e todas se curvam perante fidalgos falidos, dispensados do trabalho e que têm nomes que ocupam linhas de texto. Os facínoras são cobardes, estúpidos e sujos. As páginas do mestre estão repletas de injustiças e beatices. E há o ocasional fala-barato, de mistura com muita hipocrisia e má-língua. O que mais choca nos livros de Camilo é o imenso orgulho dos pobres que contemplam os seus pergaminhos familiares, a inveja cega dos arrivistas, a ignorância militante dos poderosos. O que mais choca nos livros de Camilo é o atraso e a pobreza de uma sociedade que ainda hoje mostra as limitações do país de há 150 anos, pois temos os mesmos conflitos políticos, cuja complexidade será incompreensível no mês seguinte e que dependem da fidelidade aos humores de um chefe. Tal como nos romances de Camilo, persiste em Portugal uma ordem social não escrita que é determinante para decidir o destino de cada cidadão, as cunhas com que se progride na escada hierárquica, os privilégios e direitos adquiridos, indiscutíveis. O nosso provincianismo está tal e qual: Camilo, no meio dos sarcasmos e das citações, nem se dá conta da pantanosa existência nacional, por exemplo, ao descrever com detalhe e gosto as manias das modas, a genealogia dos imbecis, ao descrever a falta de escrúpulos e a desconfiança avarenta, as palas ideológicas e a ignorância estrutural de tantas das suas personagens. Claro que o autor inventou centenas de figuras positivas, mas o que surpreende é que estas parecem bem menos credíveis do que as outras, desenhadas com brutal autenticidade.

publicado às 19:51

Insegurança

por Luís Naves, em 19.11.15

Perante a vulnerabilidade externa e a fragilidade social nos subúrbios das suas capitais, a Europa terá de abandonar o sonambulismo do apagamento. A crise das dívidas soberanas foi agravada pelo incumprimento das regras de uma zona monetária que tinha escasso conteúdo político. Em resposta , os europeus decidiram reforçar as instituições de controlo da zona euro.

A insegurança europeia tem motivos semelhantes e deverá ter resposta parecida: os atentados de Paris revelaram uma zona de livre circulação de pessoas onde se movem livremente jihadistas dispostos a fazer-se explodir no meio de centenas de inocentes. Tudo indica que os terroristas de Paris combateram na Síria e regressaram impunemente à Europa, aproveitando o caos que se instalou nas fronteiras externas da zona Schengen. Poucos na altura compreenderam que a crise humanitária era também uma crise de segurança.

Nas últimas décadas, a Europa foi incapaz de conciliar segurança interna com liberdade religiosa. Nos bairros degradados, centenas de imãs fundamentalistas difundem versões do Islão que, na prática, constituem um apelo à destruição dos valores e tradições do Ocidente. Os radicais não têm hipótese de triunfar, mas sustentam a guerra santa numa rede de cumplicidades que tornou a vida dos europeus num inferno. No futuro, a loucura do fanatismo  exigirá maior cooperação europeia nas áreas de informações, polícia e defesa. E se quiser manter a sua forma de vida e a sua prosperidade, a Europa precisará de criar estruturas de segurança colectiva com maior capacidade para combater estes radicais, onde quer que eles estejam.

publicado às 10:18

Perturbação

por Luís Naves, em 18.11.15

É nos momentos de perturbação e choque frontal com a realidade que vemos com maior nitidez a desagregação das sociedades contemporâneas. A degradação da política, por exemplo, e o declínio das ideologias, dois fenómenos paralelos que explicam o triunfo do cinismo e a ascensão das propostas populistas. Estabeleceu-se nos últimos vinte anos o curioso mito de haver uma ligação inevitável entre liberdade económica e prosperidade, mas a realidade é mais amarga: a globalização criou Estados falhados e, no mundo industrializado, trouxe sobretudo a ansiedade dos trabalhadores, que temem pela extinção dos seus postos de trabalho. Como explicar a riqueza pornográfica da elite económica dos gestores, cuja preponderância contraria os próprios princípios do capitalismo? E como explicar o trabalho não remunerado, literalmente absurdo, disfarçado de aprendizagem?

O capitalismo vive uma das suas piores crises, com o empobrecimento de parte da classe média, a morte das indústrias, a alta instabilidade dos mercados e o desemprego crónico. Mas o mundo contemporâneo revela também a profunda crise do Estado. Muitas profissões lutam hoje pela sobrevivência e estarão amanhã extintas. As democracias afogam-se em impotência e retórica. Pode vir por aí nova vaga de colapsos, desta vez nas economias emergentes, e serão os pobres a pagar as dívidas. O mandarinato abusa da injustiça e atraiçoa o povo. É incompreensível a eleição sistemática de políticos cada vez mais fracos. As elites mediáticas habitam o mundo da lua, com a sua linguagem de fachada ridicularizando valores tradicionais e negando o passado. A nossa identidade foi perseguida e estilhaçada. Os intelectuais desapareceram ou foram silenciados. A cultura transformou-se na busca do insignificante e a arte numa xaropada sentimental que cultiva a bela frase vazia e a lágrima ao canto do olho.

publicado às 10:44

Desagregação

por Luís Naves, em 15.11.15

Não vivemos apenas na era da incerteza, mas num tempo em que existe boa dose de desagregação. Onde havia nações capazes de se unir perante um desafio, temos agora sociedades fragmentadas em grupos pequenos, incapazes de um mínimo de coerência e por vezes hostis entre si. O que era relativamente uniforme está hoje dividido. Isso não se vê apenas nos grandes conflitos políticos, mas nas células do corpo social, nas famílias, nos próprios indivíduos. A solidão tornou-se a normalidade e as ideologias são matéria de fanatismos minoritários.

A fragmentação das sociedades estende-se à cultura, que é de nichos ou de massas. As identidades estão em estilhaços. As pessoas deixaram de se entender quando surge a pergunta quem somos? Vivemos numa mistura de hipocrisia e culpa, de insegurança e agressão, em contradições permanentes, por exemplo, quando nos comovemos com realidades distantes e ignoramos a desgraça alheia que vemos à porta de casa. Somos incapazes de olhar para o vizinho, mas vertemos uma lágrima pelo desconhecido na televisão. Deixámos de sentir a realidade, da qual estamos separados por um vidro transparente. O mundo contemporâneo é mais livre e tem obviamente mais possibilidades, mas possui esta vulnerabilidade da indiferença. Um mundo muito virado para o lucro, onde o horizonte do futuro é um par de horas, onde já não cabe a lentidão e a memória de pouco serve. Um mundo onde o efémero muitas vezes repetido não pode somar uma eternidade.

publicado às 11:39

A vulnerabilidade da Europa

por Luís Naves, em 14.11.15

Os fanáticos religiosos do Estado Islâmico não podem destruir a Civilização Ocidental, mas podem transformá-la. Ontem, em Paris, a barbárie homicida dos terroristas atacou o nosso estilo de vida, a cultura, a segurança, atingiu o coração inocente das nossas liberdades. A vulnerabilidade da Europa é gritante.

Depois da crise do euro, da impotência na Ucrânia, das divisões amargas, surge agora a insegurança crónica, provavelmente agravada pela recente crise dos refugiados. O problema dessa crise, que muitos não entenderam, não era a emergência humanitária, mas a urgência em controlar um fluxo migratório descontrolado. O facto é que não sabemos quantos militantes entraram na Europa, misturados com as multidões que genuinamente precisavam de protecção. Em Agosto e Setembro, era preciso proteger as fronteiras externas do espaço Schengen e cumprir os rigores previstos na zona de livre circulação, identificando os migrantes que tinham direito a refúgio, mas de facto isso não foi feito, houve mesmo séria resistência ao cumprimento das regras europeias, rigor esse que era confundido com insensibilidade.

O mal está feito. Em vários países europeus há infra-estruturas jihadistas que vão utilizar fanáticos treinados na guerra da Síria e do Iraque para ataques mortíferos low tech. Isto é apenas o início. A Europa pode receber um milhão de pessoas? Claro que pode, mas não em três meses e sem qualquer controlo. Fomos ingénuos e os partidos xenófobos de extrema-direita vão aproveitar-se da emoção com os atentados de Paris para pedir novas limitações à nossa liberdade. É fácil caminhar na direcção da intolerância e do medo. O excessivo entusiasmo humanitário dará provavelmente origem ao seu exacto inverso, tudo errado de novo.

publicado às 11:42

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Autores

João Villalobos e Luís Naves